Diário da Região
Painel de ideias

Escrúpulo

Promover a honestidade nas relações interpessoais, valorizar a ética nas práticas profissionais e cultivar a empatia são passos fundamentais

por Sérgio Clementino
Publicado em 30/06/2025 às 21:15Atualizado em 01/07/2025 às 13:04
Sérgio Clementino (Divulgação)
Sérgio Clementino (Divulgação)
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O Império Romano tornou-se famoso, dentre outras coisas, pela força de seus exércitos, que venceram inúmeras batalhas. Era comum os soldados marcharem longas jornadas nos vastos territórios conquistados. Apesar disso, os calçados não passavam de sandálias abertas. Não raras vezes, pequenas pedrinhas se alojavam nos pés, criando um desconforto que obrigava os legionários a uma escolha difícil: parar para retirar o incômodo e atrasar a marcha, ou seguir em frente, ignorando a dor. Do latim, a palavra “scrupulum” (pedra pequena), passou, com o tempo, a significar a reflexão e a ponderação que surgem diante de uma importante decisão moral. O escrúpulo se transformou em um símbolo da luta interna entre o agir pelas conveniências e o cumprir o dever moral ou legal.

Na vida em sociedade, o escrúpulo é peça fundamental. Firmou-se como um guia, um princípio que nos ajuda a discernir entre o certo e o errado. É um freio moral interno que nos impõe limites e nos impede de agir de maneira egoísta ou desonesta. Sem o escrúpulo, a convivência social se tornaria caótica, repleta de injustiças e desconfiança. O respeito mútuo é alimentado por essa consciência moral que nos faz hesitar diante de ações que poderiam prejudicar o próximo. Assim, o escrúpulo não é apenas uma questão individual, mas um pilar fundamental para a construção de sociedades saudáveis e justas.

Entretanto, no mundo atual os escrúpulos já não são artigos tão valorizados. O individualismo exacerbado e a busca desenfreada por resultados rápidos vêm eclipsando a ética e a moralidade. Em ambientes corporativos, muitos se veem tentados a priorizar lucros em detrimento do bem-estar dos colaboradores. Na esfera pública, a corrupção se espalha como uma praga, corroendo a confiança nas instituições e nas relações interpessoais. As redes sociais, por sua vez, amplificam comportamentos egoístas e desonestos, onde a imagem muitas vezes se sobrepõe à verdade.

A falta de escrúpulos gera prejuízos profundos. Nenhuma reprimenda punitiva é tão eficaz quanto o freio interno de cada ser humano. Não há punição que seja mais efetiva que a opção voluntária pela conduta correta. Freios morais, como o escrúpulo, atuam em favor do indivíduo e da sociedade como um todo. A ausência de outros freios que não a punição costuma ser nociva a grupos humanos. O aumento da desigualdade social, a corrupção e a deterioração das relações humanas são reflexos diretos dessa ausência de freios. Cada escolha desonesta, cada ato egoísta, contribui para um ciclo vicioso que perpetua a injustiça e o sofrimento do indivíduo e de seu grupo.

O resgate do escrúpulo começa nas pequenas ações cotidianas. Promover a honestidade nas relações interpessoais, valorizar a ética nas práticas profissionais e cultivar a empatia são passos fundamentais para reverter essa tendência. A educação e a reflexão sobre nossas ações podem ajudar a reavivar esse freio moral interno que parece ter sido esquecido.

SÉRGIO CLEMENTINO

Promotor de Justiça em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às terças-feiras