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ARTIGO

Quando foi que perdemos o tempo?

Recuperar o Kairós é reconhecer o momento certo: a hora de agir, mas também a hora de parar

por Érico Fumero
Publicado em 17/12/2025 às 20:08Atualizado em 17/12/2025 às 21:22
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Vivemos repetindo, quase sem pensar, a frase “não tenho tempo”. Ela aparece nas conversas cotidianas, nos pedidos adiados, nos encontros desmarcados e até nos sonhos abandonados. Curiosamente, nunca tivemos tantos recursos tecnológicos para “ganhar tempo”, e, ainda assim, nunca nos sentimos tão pressionados, cansados e atrasados. Talvez o problema não esteja na falta de horas, mas na forma como aprendemos a viver o tempo.

Costumamos tratar o tempo apenas como aquilo que o relógio mede: minutos, horas, prazos e metas. Esse é o tempo de Cronos, necessário para organizar a vida social, o trabalho e os compromissos coletivos. Sem ele, a sociedade simplesmente não funciona. No entanto, reduzir nossa existência apenas a essa lógica é empobrecer profundamente a experiência humana. O tempo não é só quantidade; ele também é qualidade.

Há outra maneira de vivê-lo: o tempo vivido, denso de significado, que os gregos chamavam de Kairós. É o tempo da experiência, da presença, do sentido. Todos nós conhecemos isso intuitivamente. Uma hora presa no trânsito parece interminável; uma hora em uma boa conversa, em um encontro verdadeiro ou em uma atividade que nos envolve de fato passa quase sem ser percebida. O relógio marca os mesmos sessenta minutos, mas a vida que aconteceu ali foi completamente diferente.

Essa diferença revela algo essencial: o tempo não é apenas uma realidade objetiva e natural. Ele é também cultural, histórico e subjetivo. Ao longo da história, desenvolvemos “lentes invisíveis” através das quais percebemos e organizamos o tempo. Hoje, essas lentes nos empurram para um modo de vida marcado pelo excesso de estímulos, notificações e cobranças. Vivemos no chamado “hipertempo”: sempre conectados, sempre ocupados, sempre com a sensação de que algo importante está acontecendo em outro lugar.

A isso se soma o tempo dos prazos, das entregas e das metas. Cada dia vira uma lista de tarefas, cada semana um conjunto de obrigações. Produzimos muito, respondemos rápido, cumprimos agendas — mas raramente estamos realmente presentes. Quando tudo vira urgência, a vida deixa de ser vivida e passa apenas a ser administrada.

Não se trata de negar a importância do trabalho, da organização ou da eficiência. O problema surge quando esses esquemas dominam tudo e expulsam o tempo da escuta, do silêncio, do descanso, da criação e do encontro. Recuperar o Kairós é reaprender a reconhecer o momento certo: a hora de agir, mas também a hora de parar; a hora de produzir, mas também a hora de simplesmente estar.

Talvez a verdadeira liberdade não esteja em ter mais tempo, mas em escolher conscientemente como vivemos o tempo que já temos. Em um mundo acelerado, desacelerar pode ser um gesto simples, mas profundamente revolucionário — e, acima de tudo, humano.

Érico Fumero

Professor, Doutor em Filosofia pela Universidade de Santiago de Compostela-Espanha