Maquiagem, figurino, texto na ponta da língua. Silêncio e olhares atentos. O espetáculo não é no palco, mas na sala de aula. Carolina Maria de Jesus, Machado de Assis, Cora Coralina, Gonçalves Dias. Grandes poetas e escritores da literatura brasileira ganham vida na aula da professora de língua portuguesa Carla Nogueira, a Carlinha. Através da arte, ela transforma o conteúdo obrigatório dos livros em memória para os vestibulares.

No Dia dos Professores, celebrado nesta quarta-feira, 15, o Diário homenageia os profissionais que dedicam a vida à transformação social por meio da educação.

“Eu sou Cora Coralina. Saí de dentro das minhas obras para dizer a todos vocês o que vale a pena nessa vida”.

Apoiada em uma bengala e vestindo um xale, uma idosa entra lentamente na sala de aula da escola estadual Jamil Khauan, em Rio Preto.

Falando em primeira pessoa, ela conta sobre a vida e declama trechos de obras consagradas da literatura. É assim, com uma didática que flerta com a arte, a História, a Sociologia e a Filosofia, que Carlinha ensina Língua Portuguesa.

A professora nascida em Barretos já sentia a arte correr nas veias por influência dos tios, que eram artistas circenses. Mas a vocação para ensinar de forma lúdica despertou graças a outra professora, Diva Maria, que dava aulas em uma fazenda, sempre acompanhada de um violão.

“Eu levava comida para ela no almoço e a gente conversava sobre literatura”, lembra.

Carlinha, que teve a vida transformada por uma educadora devotada, decidiu dar continuidade à tarefa de ser uma "encantadora de alunos".

Com recursos próprios, ela visita brechós em busca de figurinos de época (como vestidos e ternos), compra perucas, barbas e até maquiagens para se transformar em aproximadamente 800 personagens da literatura nacional e internacional – da icônica Emília, da obra infantil de Monteiro Lobato, ao Velho do Restelo, do livro “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões.

“Nesses 25 anos dedicados à sala de aula, descobri que só o amor pelo ensino não bastava para despertar o interesse dos alunos por algo que não fazia parte da realidade de muitos deles, o interesse pela literatura. O meu propósito com as encenações é despertar a curiosidade pelas obras, para que o hábito da leitura seja prazeroso, e não uma obrigação do currículo”, conta.

Após a “visita” do personagem, Carlinha aplica em sala de aula questões extraídas dos principais vestibulares do país e o desempenho dos alunos demonstra que a imersão nas obras da literatura tem surtido resultados para além das provas bimestrais.

“Eles não apenas assimilam melhor o conteúdo, mas também foram repertório para elaborar a redação do Enem, porque faço questão de destacar livros que são relevantes para contextualizar os problemas da sociedade. Um deles é “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus”, afirma.

Segundo Carlinha, a escritora e poetisa brasileira é um dos personagens preferidos dos alunos, pela representatividade. Mulher negra e moradora da favela do Canindé, Carolina Maria foi pioneira em dar voz a uma perspectiva marginalizada na literatura brasileira, retratando a dura realidade das comunidades pobres com uma linguagem simples, mas direta e impactante.

Assim como foi inspirada pela professora Diva, Carlinha segue inspirando. Durante mais de duas décadas de magistério, já perdeu as contas de quantos alunos cursaram pedagogia, letras ou artes cênicas graças a seu exemplo transformador.