Diário da Região
TEATRO

Companhia Hecatombe completa duas décadas e estreia ‘ØDISSE.IA’ em Rio Preto

Peça itinerante que une mito grego, crítica contemporânea e inteligência artificial estreia na quinta, dia 25

por Salomão Boaventura
Publicado em 22/09/2025 às 16:25Atualizado em 22/09/2025 às 16:25
Ícaro Negroni como Ulisses em ‘ØDISSE.IA’ (Divulgação)
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Ícaro Negroni como Ulisses em ‘ØDISSE.IA’ (Divulgação)
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Nas margens incertas entre passado e futuro, Ulisses volta a caminhar. Não mais sobre mares, mas entre ruas, praças e esquinas. Em sua travessia, carrega a memória de Homero, a inquietude do presente e o sopro de tecnologias que projetam imagens no corpo da cidade. É nesse encontro entre mito e urbano que a Companhia Hecatombe celebra seus 20 anos com “ØDISSE.IA”, espetáculo itinerante que estreia em Rio Preto, de 25 a 28 de setembro, com sessões gratuitas.

A montagem marca o início de uma circulação por sete cidades do Noroeste Paulista, incluindo Nova Granada, Bady Bassitt, Jales, Votuporanga e Mirassolândia. Em Rio Preto, as apresentações acontecem sempre às 19h no Espaço Cultural Salete, na avenida José Vinha Filho, 1.091, Jardim Vista Bela. Os ingressos são gratuitos e distribuídos meia hora antes de cada sessão.

A itinerância também prevê acessibilidade: haverá audiodescrição na sessão de 25 de setembro e Libras no dia 27. A proposta é incluir todos os públicos, expandindo o alcance da experiência teatral.

Este projeto foi realizado com apoio do Programa de Ação Cultural – ProAC, da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo, e da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) do Ministério da Cultura e Governo Federal.

O novo trabalho da companhia, dirigido por Homero Kaneko, se inspira na “Odisseia” de Homero, mas rejeita a linearidade. “A escrita se ancorou na fragmentação dos episódios desse imenso poema que é a Odisseia. Eu não queria que esse texto fosse uma cópia do original, mesmo porque é uma leitura de difícil compreensão”, explica o diretor. “Escolhi algumas passagens para enfatizar, não há obrigação com a história exatamente como aparece em Homero, mas inspiração e adaptação dessas passagens para podermos falar do nosso mundo atual.”

Em cena, Ulisses (Ícaro Negroni) é um herói mambembe que percorre diferentes espaços urbanos, refletindo sobre masculinidade, guerra e os dilemas brasileiros. A estrada substitui o mar, e figuras mitológicas se reinventam no cotidiano: Calipso (Lari Luma) surge como crítica ao mercado de arte, encarnando a produtora cultural que prende o artista; Zeus (Jaqueline Cardoso) fecha a jornada com a potência de um grande show.

A rua não é apenas cenário, mas parte viva da dramaturgia. A interação direta com o espaço urbano cria uma experiência imersiva e aproxima o público do percurso do herói. Essa fusão se intensifica com recursos de projeção e mapeamento de vídeo, marcas da pesquisa da Hecatombe, que desde 2009 desenvolve o conceito de neogrotesco — a mistura de elementos grotescos, midiáticos e tecnológicos como forma de crítica social.

Para Kaneko, o espetáculo também ecoa a própria história da companhia: “Olhando pelo retrovisor, são 20 anos de estrada, os mesmo 20 anos que Ulisses demora em sua travessia de volta pra casa. A missão da Companhia Hecatombe, que se elaborou nesse balaio de tempos, justamente na transitoriedade do mundo analógico para o digital, é contestar esse presente, esse momento e as práticas dele. Continuaremos por reconfigurar os dispositivos, a beber da fonte dos mestres e mestras acessíveis, dos saberes ancestrais, a pactuar com a decolonialidade, a reconfigurar as tradições. Tudo isso na tentativa de criar, fabular e imaginar futuros possíveis. ØDISSE.IA vem para materializar nosso devir cênico: é nosso ontem; é nosso hoje; é nosso amanhã.”