Diário da Região
QUANDO DEZEMBRO PESA

Psicólogas explicam por que o fim do ano reforça o sofrimento emocional

Dados da International Stress Management Association indicam que até 80% das pessoas economicamente ativas apresentam aumento nos níveis de estresse, ansiedade e tristeza no fim do ano; veja como atravessar o período com mais cuidado

por Salomão Boaventura
Publicado em 23/12/2025 às 00:00Atualizado em 23/12/2025 às 13:33
Entre cobranças sociais e ausências que doem, dezembro pode intensificar sentimentos de tristeza e esgotamento emocional (Freepik/Banco de Imagens)
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Entre cobranças sociais e ausências que doem, dezembro pode intensificar sentimentos de tristeza e esgotamento emocional (Freepik/Banco de Imagens)
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Enquanto luzes piscam, agendas apertam e as redes sociais vendem a ideia de um ano perfeitamente resolvido, dezembro também pode escancarar frustrações, saudades e cansaços acumulados ao longo dos últimos 12 meses ou dos últimos anos. Dados da International Stress Management Association indicam que até 80% das pessoas economicamente ativas apresentam aumento nos níveis de estresse, ansiedade e tristeza no fim do ano, um impacto emocional que se intensifica especialmente em períodos de luto.

A cobrança social por felicidade, realização e produtividade típica do fim do ano tem efeitos diretos na saúde mental. Segundo a psicóloga Mara Lucia Madureira, esse peso recai de forma ainda mais intensa sobre pessoas emocionalmente mais vulneráveis. “A cobrança social por felicidade, realização e produtividade impacta negativamente a maioria das pessoas e, principalmente, as mais vulneráveis, como aquelas que já apresentam quadros de depressão, ansiedade e baixa autoestima; as que sofreram perdas significativas recentes; pessoas enlutadas; com problemas familiares, endividamento, cansaço e esgotamento mental”, afirma.

Ela destaca que, além das expectativas emocionais, dezembro concentra uma série de exigências práticas que ampliam o desgaste psicológico. “Encerrar atividades, filhos sem rotina, confraternizações, receber visitas, organizar presentes, viagens, enfrentar ambientes superlotados, trânsito caótico, preparar ceias, cuidar da aparência e lidar com comparações familiares contribuem para o aumento da ansiedade, do estresse e das frustrações. Nessa época, a tristeza costuma se agravar por pensamentos de não corresponder ao ideal imposto socialmente e pela autocobrança em relação a objetivos não alcançados”, explica.

METAS E FRUSTRAÇÕES

O fim do ano também ativa processos de autoavaliação, muitas vezes marcados pela frustração com metas não alcançadas. Para Mara Lucia, esse julgamento costuma ser injusto.

“O não cumprimento de metas ou expectativas é resultado de contextos complexos, limites humanos ou eventos inevitáveis, e não de falha pessoal ou incompetência”, diz. Segundo ela, muitas metas deixam de ser alcançadas por não serem realistas ou porque as prioridades mudaram ao longo do ano. “O julgamento deve ser substituído por uma análise coerente.”

LUTO E FESTAS

Para quem vive o luto, as festas de fim de ano podem ser especialmente difíceis. A psicóloga Karina Younan ressalta que não existe uma forma correta de atravessar esse período. “O brilho externo não apaga o que ainda dói por dentro”, afirma. Para ela, o cuidado passa por reduzir expectativas e aceitar que a tristeza pode coexistir com pequenos gestos de presença.

“Às vezes, isso implica participar menos, ficar menos tempo ou criar formas mais íntimas de atravessar as datas, seja com silêncio, memória, oração, escrita ou recolhimento. O cuidado está em não violentar o próprio tempo emocional”, completa.

A dúvida sobre participar ou não das celebrações é comum, e Karina reforça que ambas as escolhas podem ser saudáveis. “As duas possibilidades podem ser saudáveis, desde que não partam da obrigação ou da negação de si”, explica. Segundo ela, o mais importante é observar a motivação. “O luto pede escuta interna, não desempenho social.”

Tristeza esperada ou sinal de alerta

Nem toda tristeza em dezembro é patológica. Mara Lucia explica que sentimentos mais melancólicos podem ser esperados nesse período, desde que não comprometam a rotina. “Uma tristeza transitória é comum no fim do ano e é normal se for proporcional ao contexto, flutuar ao longo dos dias e não comprometer o funcionamento da pessoa.”

Os sinais de alerta surgem quando o sofrimento se prolonga ou se intensifica. “Tristeza persistente por semanas, sensação de vazio ou desesperança, irritabilidade, alterações significativas no sono ou apetite, isolamento social, perda de interesse por atividades antes prazerosas e dificuldade de concentração indicam a necessidade de atenção”, diz. Quando esses sintomas interferem na vida profissional, social ou afetiva, o acompanhamento profissional se torna essencial.

Outro desafio frequente é impor limites emocionais durante as festas. Para Karina, a comunicação simples costuma ser suficiente. “Falando com simplicidade e honestidade. Não é necessário explicar tudo, nem convencer ninguém”, orienta. Frases diretas ajudam a preservar o cuidado emocional. “Não é necessário explicar tudo, nem convencer ninguém. Frases claras e afetivas costumam ser suficientes: ‘Este ano estou mais sensível’, ‘Talvez eu fique menos tempo’, ‘Preciso de um pouco mais de silêncio agora’. Se o limite transmite o cuidado — e não uma acusação — ele tende a ser melhor acolhido. E evitando ressentimentos”, ressalta Karina.

No fim das contas, dezembro não precisa ser uma prova de felicidade nem uma competição por realizações. Como lembra Mara Lucia, “final de ano não é julgamento de valor”. Cuidar da saúde emocional, sobretudo nesse período, é uma forma de responsabilidade consigo mesmo — e, talvez, o melhor balanço possível ao fechar o ano. (SB)

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Abandone comparações: redes sociais e o discurso coletivo de felicidade e gratidão infinita são recortes idealizados da vida alheia. A realidade de todo ser humano é bem diferente das aparências.

Respeite o seu ritmo interno: vontade de recolhimento é um sinal, não falha. Dormir, comer melhor e desacelerar são formas básicas — e profundas — de auto cuidado.

Revise metas com compaixão: aprenda a discernir entre o que dependia de você e o que estava fora do seu controle.

Escolha presença com critério: não é preciso estar em todos os encontros. Priorize aqueles em que você pode ser quem é, sem performance.

Preserve o corpo: sono, alimentação e movimento são reguladores emocionais fundamentais. Evite todo tipo de excesso — comida, bebida, gastos, esforço físico e mental e autocobrança.

Crie pequenos rituais pessoais: um café sem pressa, uma caminhada, uma música, uma vela acesa. Gestos simples ajudam a ancorar o dia.

Nomeie sentimentos em vez de reprimi-los: Fale sobre suas dores e emoções com pessoas confiáveis. Estabeleça limites. Não tolere abusos. Diga não e não se sinta culpado. Procure apoio familiar ou atendimento profissional, se necessário. Cuidar da saúde mental é ser responsável com a própria vida.

Aceite emoções ambíguas: alegria e tristeza podem coexistir. O equilíbrio não está em eliminar o desconforto, mas em dar espaço para ele sem julgamento.

Final de ano não é prova de felicidade nem competição por realizações: Trate-se com mais respeito e menos cobrança. A opinião e as atitudes das pessoas evidenciam o modo como elas percebem a realidade e nada têm a ver com você.

Fonte: Psicólogas Karina Yuonan e Mara Lucia Madureira