A lenda do filho que cuidava
A morte mais cruel é aquela em que nosso peito quer gritar, mas seguimos solitários

Dizem que, em tempos antigos, existiu um filho que amava seu pai com toda a força que um coração humano pode conter. Quando criança, era o pai quem cuidava dele: dava banho, protegia, fazia rir, ensinava com paciência, e, ao crescer, o filho passou a retribuir com igual carinho — cuidava com alegria, oferecia afagos, compartilhava risos e brincadeiras, onde cada gesto simples era pleno de amor, feito sem esperar reconhecimento ou recompensa, apenas como retorno natural do afeto que recebera.
Mas o tempo é inexorável, e o pai envelheceu, e envelhecendo adoeceu ficando fragilizado e cansado, e coube ao filho agora cuidar dele, portanto, o que antes era leve e divertido tornou-se delicado e doloroso — cada toque carregava consciência da fragilidade, cada cuidado lembrava que nada é eterno, era um morrer a cada dia para ele, de forma lenta, vagarosa é constante, ainda assim, ele se doou plenamente, com paciência, carinho e respeito, até que a vida do pai se apagou e ele um dia foi embora.
E foi nesse silêncio que a lenda se tornou ensinamento, pois o filho, que tanto dera de si, começou a sentir o peso da solidão, o ciclo de amor que havia cumprido com devoção lhe mostrou uma verdade incômoda — assim como um dia o pai precisou de atenção e afeto, também chegaria sua vez de ser cuidado, então ele compreendia que reciprocidade não era um luxo, mas uma necessidade e servir é nobre, mas não é destino de um só; todo coração que se doa também precisa ser acolhido. Não há honra em ser abandonado após ter dado tanto de si, porque homem também tem sentimentos, dores e fragilidades que precisam ser vistas.
O filho da lenda nunca buscou grandes gestos ou recompensas, seu desejo era simples, ter por ele compreensão, um abraço silencioso, alguém que ouvisse seu desabafo, enxergasse suas fraquezas, ele por sua vez ensinava, ajudava, servia — mas precisava sentir que também podia aprender, ser amparado, ser humano em sua totalidade.
E, por fim, concluo que há quem diga que a morte mais triste do mundo é quando morremos de fome, mas a lenda ensina a discordar: a morte mais cruel é aquela em que nosso peito quer gritar, mas seguimos solitários, com ninguém para ouvir nossa dor, nosso silêncio, nosso desabafo, onde amar, servir e ensinar são atos nobres, mas o equilíbrio entre dar e receber é vital, pois até os que se doam merecem ser vistos, ouvidos e acolhidos.
No fim de tudo, de tudo mesmo, eu me sinto só solidão, quem sabe às vezes podridão, mas triste mesmo não é morrer, é morrer e ter que acordar cedo no dia seguinte para tentar sobreviver.
Gilson Ribeiro
Contador, cronista, poeta e membro da Academia Maçônica de Letras e Cultura do Noroeste Paulista