A mim, resta blindar a tela do celular
Comparo essa propostavil dos parlamentares acoisas banais do dia a dia

A desastrosa tragédia política parece não ter fim. De tão ridícula, parece até engraçada! Essa tal “PEC da Blindagem” é um exemplo disso: uma proposta que reivindica mecanismos para atenuar ou impossibilitar que políticos sofram processos, investigações e denúncias.
É isso mesmo?! Fiquei até em dúvida se eu tinha entendido direito. Mas, infelizmente, é isso mesmo. A proposta, travestida de preocupação institucional, busca proteger parlamentares como uma armadura mágica, só que não aquela armadura da mitologia que serve proteger os personagens e, sim, uma feita de artigos constitucionais muito bem articulados.
Grave, gravíssimo, pois além dessa blindagem ofender o princípio da igualdade, reforça a ideia de que nós, cidadãos comuns, continuamos vulneráveis e responsáveis por qualquer ato que cometermos, mesmo sem querer, enquanto uma classe política passaria a repousar tranquila e protegida por um dispositivo institucional que alivia ou até cancela os crimes que ela queira cometer.
Comparo essa proposta vil dos parlamentares a coisas banais com as quais precisamos nos preocupar no dia a dia. Por exemplo, coloca película de vidro no meu celular para protegê-lo de impactos que causam rachaduras na tela. Lá, no Congresso, esses políticos querem colocar película constitucional para proteger seus mandatos de rachaduras jurídicas.
Essa blindagem, que não é feita de vidro como a do celular, nem de aço como as armaduras dos guerreiros, é feita daquilo que nos é mais caro: as palavras. Para se defender, esses arruaceiros usam palavras arranjadas em artigos e incisos que, dentro de um texto “coerente” pode ser mais eficiente do que um sofisticado sistema de segurança patrimonial.
Em tempos de tantas crises sociais, políticas, ambientais e ética, surge essa “pérola” parlamentar que promete proteção total, afinal, o lema desses políticos é: “errar é humano, mas responder por isso não precisa ser. Essa blindagem garante a nós cobertura completa contra processos, críticas públicas e, quem sabe, até contra a posteridade”. Bando de ratos! Ainda bem que a reação negativa a essa PEC da Blindagem foi robusta e rejeitada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, enterrando-a.
No fim das contas, resta a mim e a você, cidadão, apreciar a palhaçada sem deixar que ela passe em branco: reagiremos, com amplas manifestações públicas como as que foram vistas domingo passado.
Agora, voltando ao meu celular, espero que a película de vidro funcione como uma proteção para livrá-lo das rachaduras. Já, aos políticos que queriam aprovar a PEC da blindagem, desejo que suas “quedas” morais deixem rachaduras profundas nas suas vidas políticas, tão visíveis que não haverá película de proteção que os proteja.
Simone Cristina Succi
Doutora em Linguística Aplicada, professora e redatora de materiais didáticos.