A reserva do possível
A Constituição de 1988 inovou ao introduzir uma série de direitos sociais

No mês de outubro deste ano de 2025, comemoram-se os 37 anos da promulgação da Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”. Isso não é pouca coisa, pois todos que conheceram o Brasil antes de 1988 poderão testemunhar o quanto se mudou, de lá para cá. Uma das mudanças mais importantes foi a introdução da chamada “força normativa da Constituição”: antes de 1988, nossas Constituições eram vistas mais como uma lei administrativa, que não se prestava para proteger o cidadão nas suas questões fundamentais. Após a virada constitucional de 1988, tornou-se possível para qualquer pessoa extrair diretamente do texto constitucional as normas que poderão servir- lhe de amparo jurídico.
A Constituição de 1988 inovou ao introduzir uma série de direitos sociais, agora elevados à condição de garantias fundamentais do cidadão. Não basta simplesmente que a lei assegure um direito; para tanto, é necessário que haja recurso e investimento. Com essa finalidade é que os tributos são arrecadados. Porém, por mais que se arrecade (e no Brasil se arrecada muito!), nunca haverá dinheiro para tudo. Aqui, entra em cena a figura da chamada “escolha trágica”: entre duas ou mais questões pendentes, deve o governante fazer uma escolha, caso não haja recursos para atender a todas as demandas.
Se não houver recursos para tudo, terá de ser feita uma “escolha trágica”, em que vários grupos de cidadãos serão prejudicados. A teoria das “escolhas trágicas” foi objeto de estudo por parte dos juristas norte-americanos Guido Calabresi e Philip Bobbit, que diziam que a proteção das coisas valiosas se faz à custa de outras coisas valiosas.
A discussão que se trava hoje em dia gira em torno da chamada “Reserva do Possível”. Essa teoria teve origem numa célebre decisão proferida pelo Tribunal Constitucional da Alemanha, em 1972, em que foi negado o acesso ao curso de medicina aos estudantes que excediam o número total de vagas. O Tribunal decidiu que, embora todos os cidadãos tivessem o direito fundamental de acesso ao ensino superior, esse direito tinha um limite fático, pois nem sempre haverá vagas para todos. A questão sujeitava-se, portanto, à “reserva do possível”, ou seja, aquilo que poderia o indivíduo, racionalmente falando, exigir da sociedade.
Pela doutrina do “reserva do possível”, o Estado só poderá realizar os direitos caso haja a disponibilidade de caixa para suportar a despesa. No Brasil, a discussão tem se voltado mais para a questão do “mínimo existencial”, no sentido de que seria papel do Estado assegurar as condições materiais mínimas que permitam uma vida digna às pessoas mais necessitadas. Mas, sem os recursos necessários, não haverá como usufruir de todos os direitos e garantias que nos foram generosamente assegurados pela “Constituição Cidadã”.
João Francisco Neto
Advogado, doutor em Direito Econômico e Financeiro (USP). Monte Aprazível-SP