A vida continua
Humanos, hoje, estão cada vez mais se tornando humanoides, máquinas que “pensam”

Eduardo Giannetti, em sua excelente obra (sob meu ponto de vista) intitulada como “Imortalidades”, aborda exatamente sobre o anseio de perenidade do ser humano de, mais que uma senescência além da que temos hoje, a perpetuação do ser, vencendo desta forma o não-ser (a morte), no desejo insaciável de uma vida eterna.
Segundo o autor, há três maneiras com as quais o homem busca alcançar o que almeja: pela ciência, por meios de métodos já manifestados, como o congelamento do corpo em Nitrogênio líquido, clonagem, células embrionárias etc; pela religião, que supõe que a morte terrena se refaz em vida em outra dimensão (ressurreição); pelas obras que deixam e pelas quais se tornam imortais, uma plêiade de homens e mulheres: Machado de Assis, Mozart, Madame Curie, morreram fisicamente, mas serão sempre lembrados como imortais pelo conjunto de suas obras duradouras. Afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho? Esta pergunta que fazemos até hoje, mostra que Machado de Assis permanece vivo há bem mais de um século.
Na mitologia grega, deuses e deusas mantinham sua juventude eterna, mas quando acontecia de se apaixonarem por um mortal, pediam a Zeus, deus dos deuses, que dessem ao seu amado ou sua amada a condição, também, da vida eterna, o que muitas vezes acontecia. Mas a vida é feita de detalhes, de pormenores que fazem dos desejos atendidos, muitas vezes uma punição. A imortalidade era concedida por Zeus, mas o pedido imperfeito, fazia com que a vida eterna daquele que antes era mortal, como um ser humano qualquer, se tornasse a tragédia das tragédias: era imortal, mas agora apodrecendo o corpo em vida, pois a solicitação a Zeus era apenas sobre a imortalidade, não sobre o envelhecimento e a contínua deterioração. Juventude eterna era um apanágio de deuses e deusas.
Coloca-se aqui uma outra possibilidade: humanos, hoje, estão cada vez mais se tornando humanoides, máquinas que “pensam” e já querem dar respostas por meio da Inteligência Artificial. Não importa que a alimentação dos dados para a IA seja ainda feita por nós, pois chegará um tempo em que esta invenção será aperfeiçoada de tal forma que, talvez, nos tornemos uma extrema inutilidade. Na distopia do filme Fahrenheit 456, os livros eram queimados para que ninguém tivesse acesso ao conhecimento. O Império pensava por todos e o império, agora, pode ser representado pelas máquinas que pensam por nós? As máquinas serão nossos deuses, que nos expulsam do paraíso, não porque comemos do fruto proibido, mas para que não conheçamos a riqueza da árvore do conhecimento e nos tornemos sábios como Deus e nos tornemos imortais?
São muitas as perguntas, são tão poucas as respostas. A melhor delas, segundo imagino, é que se possa ter a consciência de que o envelhecimento tenha um fim na plenitude de nossa consciência, Fora disso, seria a quantidade de anos inúteis: a verdadeira imortalidade se resume na qualidade do que deixamos para as gerações futuras
(gostaria de homenagear, nesta crônica, meus amigos de infância, Roberto Buissa e Adib Kassis, que hoje vivem sua senescência, na calmaria de minha pequena Macaubal)
Wilson Daher
Psiquiatra aposentado, cronista e membro acadêmico da Arlec.