Barbárie feminicida
Quando a mulher é reduzida à condição de posse, nega-se a sua autonomia e a sua humanidade

O feminicídio é a expressão mais brutal da desigualdade de gênero. Segundo dados recentemente divulgados pela imprensa nacional, em 2025 o país registrou incremento de mais de 1/4 dos casos de mulheres assassinadas por motivo de gênero. Trata-se de uma realidade que afronta um pacto mínimo de civilidade e revela a persistência de estruturas sociais arcaicas.
A objetificação da mulher permanece no núcleo do problema. Quando a mulher é reduzida à condição de posse, nega-se a sua autonomia e a sua humanidade. Essa lógica distorcida deriva do egoísmo violento de homens que não aceitam a perda, o fim da relação ou a liberdade feminina. O aumento dos casos de feminicídio reflete exatamente essa mentalidade, que espelha uma sociedade imediatista, egoísta, efêmera, mimada, intolerante ao contraditório e incapaz de lidar com frustrações básicas.
A resposta estatal e comunitária precisa ser firme, intensa e contínua. Medidas de repressão têm papel essencial, mas, são insuficientes se não vierem acompanhadas de políticas preventivas robustas. Conscientizar as novas gerações, desmontar padrões de dominação e educar para a igualdade são passos inadiáveis. Da mesma forma, é indispensável fortalecer o acolhimento às vítimas sobreviventes, garantindo proteção, escuta qualificada e redes de apoio efetivas.
É inconcebível, no atual patamar evolutivo social, a manutenção do convívio com a brutalidade. O feminicídio não é um fenômeno inevitável. Combatê-lo exige compromisso estatal permanente, coragem, atenção e dedicação coletivas, bem como absoluta intolerância diante da criminalidade de gênero. A mutação desse grotesco contexto delituoso perpassa pela extinção do bordão que entende a violência doméstica como “coisa de marido e mulher”. Cada omissão alimenta a barbárie.
João Santa Terra Júnior
Professor mestre em Direito penal. Promotor de Justiça com 10 anos de atuação no combate ao crime organizado.