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ARTIGO

Cuidados Paliativos: a dignidade começa pela boca

A odontologia contribui diretamente para o alívio do sofrimento e o controle da dor

por Alan Roger dos Santos Silva
Publicado em 15/10/2025 às 22:17Atualizado há 19 horas
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Celebrado no segundo final de semana de outubro, o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos reforça a importância de uma assistência à saúde integral, centrada na dignidade, no conforto e na qualidade de vida de pessoas que enfrentam doenças graves, avançadas ou incuráveis. Em um mundo que envelhece rapidamente e no qual os avanços médicos prolongam a vida, os cuidados paliativos deixaram de ser sinônimos de “etapa final” para se tornarem uma abordagem ética, humanizada e multiprofissional.

Entre os muitos determinantes do sofrimento humano, a saúde bucal ocupa um papel essencial — ainda que frequentemente negligenciado. A dor oral, a halitose (mau hálito), as infecções, as dificuldades para mastigar ou engolir e as inflamações gengivais são mais do que desconfortos locais e representam fatores que comprometem a nutrição, o tratamento médico, a comunicação, a autoestima e até mesmo o vínculo social de pacientes em cuidados paliativos. A boca é um espelho do estado geral de saúde das pessoas e, quando ignorada, pode amplificar o sofrimento físico e emocional.

Neste sentido, um estudo liderado por nossa equipe de cirurgiões-dentistas e médicos brasileiros e publicado no periódico canadense Supportive Care in Cancer — jornal oficial da Multinational Association of Supportive Care in Cancer (MASCC) — investigou mais de 2.500 pacientes em cuidados paliativos de diferentes regiões do mundo. O trabalho revelou uma ampla variedade de sintomas e doenças bucais, com destaque para boca seca (xerostomia), mucosite, dor dentária e alterações do paladar. Também foram relatadas infecções gengivais (periodontais), sensação de ardência bucal, sangramento gengival, úlceras, inflamações sob próteses dentárias e lesões em lábios e língua, entre muitas outras.

Esses resultados evidenciam que a presença do cirurgião-dentista nas equipes de cuidados paliativos (sobretudo os especialistas em Estomatologia, Odontologia Hospitalar e áreas afins) não deve ser vista como um privilégio, mas uma necessidade. A odontologia, quando integrada a essa rede de atenção, contribui diretamente para o alívio do sofrimento, o controle da dor, a prevenção de infecções locais e sistêmicas (bacteremia) e a manutenção de funções básicas, como falar e se alimentar com conforto e dignidade em um momento tão delicado e sensível da vida.

Alan Roger dos Santos Silva

Cirurgião-dentista formado pela UNESP com mestrado e doutorado pela UNICAMP, é professor do Depto. de Diagnóstico (área de Estomatologia) da Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Fellow da American Academy of Oral Medicine (AAOM), atualmente é professor visitante no Depto. de Medicina Oral da Universidade da Pensilvânia (EUA).