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ARTIGO

Desaprendendo a lição

O ajuste das contas públicas deveria ser visto como um debate de Estado, e não de governo

por Fernando Cosenza Araujo
Publicado em 21/10/2025 às 19:27Atualizado em 22/10/2025 às 09:30
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O valor do equilíbrio das contas públicas foi uma lição que o Brasil demorou a aprender. Durante décadas, acreditamos que bastavam discursos generosos para resolver nossos problemas estruturais. A conta, como sempre, veio depois — em forma de inflação e recessão. Foi só quando aprendemos que o gasto público precisa ter controle que o país reencontrou o caminho da estabilidade. Esse aprendizado coletivo se materializou na Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, marco de um consenso raro entre economistas e políticos de diferentes correntes. Essa foi a maior conquista institucional desde a redemocratização!

Abordei esse tema na minha tese de doutorado, defendida na FGV-SP em 2006 e aprovada com nota máxima. Argumentei que a estabilidade econômica era obra de uma maturidade política que reconhece um fato simples: não há política pública sustentável sem responsabilidade fiscal. O ajuste das contas públicas deveria ser visto como um debate de Estado, e não de governo. Porque, seja qual for a orientação política, o Estado só será capaz de cumprir a sua missão se tiver condições de se financiar sem sacrificar ninguém.

Mas, em tempos de polarização, quando o único objetivo parece ser vencer a próxima eleição, a racionalidade fiscal é a primeira vítima. Então, o terreno fica fértil para o populismo, inimigo comum de qualquer projeto de nação. O populismo é sedutor porque oferece o que, na teoria, ninguém é contra. Mas faz isso sem planejamento e sem compromisso com o futuro.

Infelizmente, estamos testemunhando vários exemplos. Um deles é o projeto da gratuidade do transporte público. Pela ótica da gestão pública, trata-se de um projeto bastante questionável. Mas quem terá coragem política para discutir, com honestidade, os defeitos e os riscos de uma iniciativa como essa?

O Estado não é uma empresa, é verdade. Quem diz o contrário simplifica demais. Ele tem uma missão muito mais ampla e não pode deixar ninguém para trás. Mas, justamente por essa responsabilidade imensa, precisa ser efetivo — e a efetividade depende da viabilidade financeira. Governantes podem até discordar sobre prioridades e caminhos, mas não podem ignorar o princípio elementar do equilíbrio das contas públicas.

Fernando Cosenza Araujo

Bacharel em Relações Internacionais pela UnB, Mestre e Doutor em Administração Pública pela FGV-SP.