Do limão, a limonada
O tarifaço do Trump expôs a fragilidade de um modelo baseado em commodities; é hora de transformar potencial em liderança global com produtos de maior valor agregado

O tarifaço imposto pelo governo dos Estados Unidos, com alíquota de 50% sobre produtos brasileiros, trouxe à tona diversos riscos imediatos, mas também levantou alertas de temas que já se mostravam relevantes há muito tempo. Um deles é a necessidade de investirmos mais em agregar valor à produção do agronegócio. A dependência de mercados externos para escoar produtos in natura nos torna vulneráveis a crises geopolíticas. A busca por novos mercados é necessária, mas insuficiente se não vier acompanhada de uma estratégia robusta de agregação de valor.
Neste contexto, fica evidente que os Estados Unidos, além de um relevante mercado consumidor, têm grande importância para a indústria brasileira. Enquanto a China é o maior mercado para as nossas commodities agrícolas, como soja e proteína animal, os EUA são um dos principais destinos para produtos manufaturados (máquinas, suco de laranja, celulose etc.).
Para estimular maior industrialização, é preciso empenho para negociar com os EUA a fim de restabelecer o fluxo comercial de nossos produtos com maior valor agregado, nos moldes em que foram as negociações com a União Europeia, Japão e outros atores. Encontrar mercados substitutos para os EUA demanda tempo e recursos financeiros que estão escassos neste momento. Muitos países tendem a agregar valor localmente, importando as matérias-primas, a exemplo da União Europeia, Japão e China.
O episódio do tarifaço deve servir como estímulo para o Brasil persistir na busca de maior agregação de valor nos produtos nos quais somos competitivos, principalmente na agricultura e na mineração.
Temos bons exemplos a seguir, como o café colombiano Juan Valdez, um case mundial de como identidade, qualidade e valor agregado podem transformar um produto agrícola em marca global. No Brasil, iniciativas da Associação Brasileira de Cafés Especiais já mostram avanços, mas ainda tímidos frente ao nosso potencial. A carne bovina premium, com certificação de origem e rastreabilidade, também é um caminho.
O Brasil é o maior fornecedor global na proteína de frango e consegue se destacar na Ásia e no Oriente Médio, com cortes premium e halal. Essa presença consolidada resulta de investimentos em tecnologia, logística e adequação às exigências desses mercados, garantindo competitividade e margem superior aos produtos básicos.
Essa lógica deve se estender para além da alimentação. Na bioenergia, temos a chance de liderar uma nova fronteira, oferecendo ao mundo não somente etanol e óleos vegetais, mas produtos de maior valor, como o SAF (combustível sustentável para aviação) e o biobunker (para transporte marítimo), tecnologias que multiplicam empregos, receitas e conhecimento. Podemos usar os royalties da exploração de petróleo na margem equatorial para financiar a transição energética no transporte marítimo e aéreo por meio de incentivos à instalação de refinarias para a produção destes novos combustíveis, seguindo o exemplo da Noruega.
Um dos efeitos do tarifaço do Trump tem sido intensificar a busca por novos mercados. Mas uma coisa é importante: buscar maior agregação de valor.
Jacyr Costa Filho
Presidente do Cosag Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e sócio da consultoria Agroadvice