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ARTIGO

E as crianças?

Uma criança não pode ser medida pela régua da produtividade

por Jéssica Christan Silva e Soares
Publicado há 23 horasAtualizado há 6 horas
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Quando saio com minhas crianças na rua vejo sorrisos e olhares jeitosos direcionados para eles o tempo todo. As pessoas passam por nós e sorriem. Acredito que pelo motivo óbvio: crianças são uma alegria mesmo! Apesar disso, esse comportamento público aparentemente comum muda quando se trata de efetivamente cuidar delas.

Se um dos cuidadores principais, na maioria das vezes, a mãe, escolhe deixar de exercer uma atividade remunerada para ficar com eles em casa, é vista como improdutiva. Se escolhemos trabalhar meio período para dedicar mais tempo a elas, somos vistos como menos competitivos. Se precisamos acompanhar uma criança ao médico (e não, isso não acontece apenas uma vez por ano, como querem os empregadores) estamos “matando” o trabalho.

Todos admiram uma criança que começa a falar, mas pouco se fala sobre as inúmeras vezes em que a família repetiu, carinhosa e insistentemente, as palavras para que ela aprendesse. Todos admiram uma criança que se expressa bem, mas pouco se fala sobre o tempo e a dedicação que foram necessários para que ela se sentisse segura o suficiente para levantar sua voz. É lindo ver uma criança dançar em uma apresentação, mas não se incentiva as dezenas idas e voltas necessárias para levar e buscar elas na aula de dança.

Uma criança não pode ser medida pela régua da produtividade e em um momento em que o tempo é monetizado, o cuidar parece imperdoável.

Mas, é isso, para cuidar, é preciso tempo.

Em Espinosa e a Filosofia Prática, Deleuze retoma a noção de que um afeto é, antes de tudo, uma potência de ser afetado. E quando cuidamos das crianças, sendo este o objeto de nosso afeto, estamos fazendo exatamente isso: aumentando nossa capacidade de existir no mundo!

Dedicar tempo ao cuidado dos afetos infantis é, portanto, dedicar tempo à própria vida em sua forma mais plena. Pois, como ensina Deleuze, viver não é apenas passar pelo tempo, mas criar intensidades e encontros que nos fazem mais livres e mais potentes!

Como garantir um futuro para elas e para o País se a todo momento estamos tentando equilibrar a balança entre o cuidar e o produzir?

A resposta é simples e até meio sem graça. Com ação. Com Política. Com movimento. Com esforços canalizados ao bem-estar infantil, para muito além do básico.

Como mãe, desejo que o sorriso que hoje observo nas ruas se transforme em compromisso público com o tempo e o cuidado que elas exigem.

Jéssica Christan Silva e Soares

Mãe, advogada, membra do coletivo mulheres na política.