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ARTIGO

Escorpionismo – a omissão fatal

Antes de ser um problema de saúde, os escorpiões são um problema ambiental

por Antonio Carlos Lofego
Publicado em 18/08/2025 às 20:49Atualizado em 19/08/2025 às 10:12
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Recentemente foi registrado em Rio Preto o primeiro óbito por acidente com escorpião, ocorrência trágica, mas esperada tendo em vista a evolução geométrica dos casos de acidentes com escorpião (escorpionismo) na região Noroeste paulista, cuja principal cidade é São José do Rio Preto. Mas a questão que fica é, será essa morte não poderia ter sido evitada? Ou, outras mortes futuras não podem ser evitadas?

A resposta é sim, podem ser evitadas. Mas depende do empenho de ações de fato efetivas e desenvolvidas por todos os setores relacionados a essa questão. Explicando melhor, essa é sim uma questão de saúde pública, mas não só, colocar todos os esforços e responsabilidade de combate ao escorpionismo apenas nas autarquias de saúde como comumente tem sido feito jamais resolverá esse problema.

Nesse sentido, antes de se questionar porque não há soro antiescorpiônico em todos os postos de saúde, algo praticamente impossível, é preciso questionar porque aquele fatídico escorpião estava embaixo daquela pedra no meio de uma rua. Ou seja, antes de ser um problema de saúde, é um problema ambiental, de estrutura urbana, de educação e conscientização da comunidade.

Em um trabalho de pesquisa que tenho conduzido na Unesp, é possível notar claramente que a condição socioeconômica de cada região da cidade é determinante para o maior ou menor risco de acidente, o que está intrinsecamente associado às condições de urbanização e socioeconômicas de cada região. Toda essa dinâmica não tem sido considerada nas ações de combate ao escorpionismo.

É também urgente investimento em pesquisa. Essa explosão nos casos de escorpionismo, especialmente em ambientes urbanos é recente, algo que tem se intensificado nas últimas duas décadas, de maneira que não há ainda muito conhecimento científico sobre esse fenômeno, e pelo que tenho testemunhado, pouca disposição do poder público em investir nesses estudos. Nesse cenário, não há nenhuma perspectiva de melhoria nessa questão, principalmente tendo em vista que não é um evento periódico ou sazonal.

O escorpião é um animal com ciclo de vida longo, reprodução contínua e alta fecundidade, com tendência de sempre aumentar sua população ao logo do tempo. Neste contexto, é preciso um programa de contemple ações de curto, médio e longo prazo onde todos os setores relacionados à questão sejam ouvidos e envolvidos. Continuar ignorando a gravidade e dimensão da questão pode causar ainda mais sofrimento, principalmente à população mais vulnerável.

Antonio Carlos Lofego

Mestre e doutor em Ciências Biológicas pela USP e professor do Departamento de Ciências Biológica, UNESP/IBILCE. Especialista em aracnídeos (ácaros e escorpiões).