Eu, tu e elas: o que nos une?
Suas falas sobre militância e diversidade me confrontaram com algo que, por tempos, evitei

Há algumas semanas, nossa cidade acolheu um evento para dar voz afetiva ao feminismo. A quarta edição do FAL – Substantivas Femininas: leitura, literatura e educação – idealizado pela brilhante Carolina Manzato, com apoio de muitas mãos e recursos da Lei Nelson Seixas – propôs um diálogo marcado pela calma e afetividade, diferente de edições anteriores, que privilegiavam o embate.
Mas preciso ser honesta: ao contrário de calma, saí de lá inquieta. Apesar de toda a afetividade construída naquele espaço, senti uma repulsa por mim mesma – e preciso explicar isso.
Entre tantos momentos significativos, tive a honra de presenciar o bate-papo do dia 14, mediado pela Carol, que reuniu Bruna Giojiani de Arruda (uma potência com quem trabalhei por anos), Jéssica Oliveira e Flávia Benetti Castro – mulheres que já admirava no universo digital e acadêmico. Se me permitem, vou chamá-las de “as monstras” do feminismo. Suas falas sobre militância e diversidade me confrontaram com algo que, por tempos, evitei: enxergar o feminismo como um estilo de vida necessário – mas também exaustivo, desgastante e perigoso.
Elas abordaram o apagamento dos movimentos feministas, e eu me vi culpada, envergonhada e inútil. Onde estava eu todos esses anos, enclausurada em minha bolha, enquanto meus problemas – muitos deles fruto do machismo estrutural que me persegue há cinco décadas – se acumulavam? Adormecida. Apagada. Cansada. Inútil, como querem que nos sintamos: silenciadas, sem voz ou ânimo para perturbar. Para sermos diminuídas em casa, no trabalho, em todos os espaços. Especialmente agora, enquanto reconstruo minha vida, sentindo-me inútil até no Coletivo de Mulheres na Política, do qual participo há pouco tempo, mas que tem me ensinado tanto.
E então, a reflexão: o que mais “eu, tu e elas” temos em comum, além desse cansaço? O que nos une nessa dor de ser mulher – de nos sentirmos apagadas? Ainda compartilhamos a capacidade de sonhar antes de criticar, de agir antes de julgar? O que há em nós que pode ser combustível para nos fortalecermos como voz, presença e atitude? Queremos? Podemos?
Podemos, sim. E começo aqui. Transformando a calma em inquietação, a afetividade em ação. Porque não vim para ser silêncio. E, principalmente, para lembrar a mim – e a todas nós – que nossa força está nessa consciência que dói, mas que também cura.
Renata Sbrogio
Designer, professora doutora em Mídia e Tecnologia, membro do Coletivo Mulheres na Política.