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ARTIGO

Função social da empresa ou dever do Estado?

Cabe à empresa uma ação de regresso contra o Estado pela ausência da segurança pública?

por Renata Lázaro Alves da Costa
Publicado em 27/10/2025 às 20:30Atualizado em 28/10/2025 às 11:18
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Em junho de 2025, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) reverteu a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) para condenar uma empresa de tecidos ao pagamento de R$ 10.000,00, a título de danos morais, em favor do seu motorista-empregado que foi vítima de um assalto à mão armada, durante o transporte das mercadorias.

Para os desembargadores do TRT-2, a atividade desenvolvida pela empregadora não era considerada de risco, pois o transporte de tecidos, descarregado diretamente nas lojas de clientes, por si só, não se caracteriza como atividade perigosa. Neste contexto, o TRT-2ª Região destacou que a atividade laboral do motorista não era o transporte de valores, de cigarros, de combustíveis ou de escolta armada, os quais sempre estão na “mira de meliantes e que, aí sim, o transportador está sujeito a uma exposição a risco muito maior do que a normal”.

O direito é um fenômeno social e não deve ignorar a realidade. Por isso, acertadamente decidiu o TRT-2ª Região em afastar a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais, uma vez que o trabalhador foi vítima da “violência urbana que tem crescido de forma assustadora, mas, no caso, a falta de segurança pública é culpa do Estado e não do empregador, igualmente vítima desta situação”.

Contudo, em sentido contrário foi a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, entendendo que os riscos da atividade econômica compreendem não apenas a parte financeira da atividade empresarial, “mas todo o risco que essa atividade econômica representa para a sociedade e, principalmente, para seus empregados”.

Tal reversão da decisão do TRT-2ª Região é lamentável, pois, ao mencionar o art. 170, III, da Constituição Federal de 1988, o qual garante que a ordem econômica do Brasil observará o princípio da função da propriedade, o TST não lembrou de destacar o teor do art. 144 da Carta Magna, o qual impõe ao Estado o dever de garantir a segurança pública para todos.

Ao generalizar que qualquer atividade laboral de motorista envolvendo o transporte de mercadorias (tecidos, embalagens, alimentos, etc.) deve ser considerada como “de risco” para roubos, furtos, assaltos, etc., o TST onera indevidamente o empregador, o qual também é vítima da ausência de segurança pública.

Em outras palavras, o Tribunal Superior do Trabalho se equivocou ao apontar apenas a função social da empresa como fundamento de sua decisão, sem mencionar o dever do Estado em garantir a segurança pública, onerando excessivamente a empresa ao pagamento de indenização por danos morais em favor do motorista-empregado que foi vítima de um assalto à mão armada. Deveria o trabalhador ajuizar ação cível diretamente contra o Estado, a fim de auferir a reparação dos seus danos morais? Ou, ainda, cabe à empresa, condenada indevidamente, uma ação de regresso contra o Estado pela ausência da segurança pública?

Renata Lázaro Alves da Costa

Advogada, Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, Mestre em Direito Constitucional