Isenção de imposto de renda é um começo
A aprovação da nova faixa de isenção representa alívio para milhões de contribuintes, mas está longe de corrigir as distorções do sistema tributário brasileiro

No Brasil, falar sobre tributação é quase um hábito nacional. Poucos países têm um sistema de impostos tão complexo e onipresente na vida cotidiana quanto o nosso. E entre todos eles, o Imposto de Renda é o que mais desperta atenção — e controvérsias.
A Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade, o projeto que amplia a faixa de isenção e cria novas alíquotas sobre altas rendas. Nenhum parlamentar seria ingênuo a ponto de se opor a uma medida necessária e popular em ano pré-eleitoral. O resultado: vitória política expressiva para o governo Lula, que já prepara o terreno para 2026.
Pela proposta, quem ganha até R$ 5 mil mensais ficará isento, e foi instituído um imposto mínimo de 10% sobre rendas elevadas. A medida beneficia cerca de 16 milhões de contribuintes, entre trabalhadores formais, microempreendedores e locadores de imóveis.
Apesar dos méritos, o texto está longe do que se poderia chamar de reforma tributária justa. O projeto corrige parcialmente uma distorção grave — a defasagem da tabela do IR, congelada desde 2014 —, mas não enfrenta as causas estruturais da desigualdade fiscal no país.
Não houve atualização das faixas de tributação sobre lucros e dividendos, isentos desde 1996, nem revisão do modelo regressivo que onera mais o consumo do que a renda. Assim, a medida tem efeito imediato, mas transitório: em poucos anos, os ganhos serão corroídos pela inflação e pelos reajustes salariais.
Como bem resumiu a jornalista Adriana Fernandes, “veio o aperitivo, mas faltou o prato principal”.
A aprovação ocorreu em meio a uma conjuntura favorável ao governo. Lula, que enfrenta pressões fiscais e queda de popularidade, foi salvo por uma sequência de boas notícias: a nova política habitacional, o impacto positivo do tarifaço dos EUA sobre a indústria nacional e, agora, a isenção do Imposto de Renda.
A Câmara, por sua vez, tentou reabilitar sua imagem após o desgaste da chamada ‘PEC da Bandidagem’, rejeitada nas ruas e travada no Senado. O apoio maciço ao projeto do IR foi uma forma de resposta política rápida à opinião pública.
Ainda assim, a votação escancarou a falta de liderança do presidente da Câmara, deputado Hugo Mota, e a dificuldade do Legislativo em conduzir um debate mais profundo sobre justiça tributária.
Segundo dados recentes, 70% dos trabalhadores brasileiros ganham até dois salários mínimos, enquanto 10% concentram metade da renda nacional. Nesse contexto, a ampliação da isenção é mais que legítima: é indispensável. Mas o país segue longe de um modelo tributário progressivo de verdade.
Nos moldes atuais, o que se aprovou não foi uma reforma do Imposto de Renda, mas um ajuste político de curto prazo. Um alívio pontual, não uma reestruturação. O Brasil continua tributando mais o consumo e o trabalho do que o capital.
O passo dado foi tímido, mas importante. Começa a romper a inércia. Faltou coragem para enfrentar os privilégios do topo da pirâmide — mas ao menos, pela primeira vez em anos, algo se moveu.