Lashon haRá: a ruína da língua que causa dano
Deixo aqui o meu apelo para que [...] possamos meditar mais sobre o peso das nossas palavras

Há pessoas que, não importa o que se faça, nem o quanto se empenhe, ainda assim tecerão duras críticas. Para esses — que se esforçam para ver o lado negativo das coisas e, ao tentar induzir outros a pensar da mesma forma, distorcem a realidade ao seu bel-prazer — falar mal dos outros é mais do que um lazer na falta do que fazer; parece que disseminar o ódio é o que os move. Embora estas características sejam apontadas com maior frequência no meio político, indivíduos com esse comportamento desagradável são encontrados em todos os âmbitos da sociedade, deixando uma carga pesada e uma energia destrutiva por onde passam, contaminando o ambiente ao seu redor.
A essa concupiscência chamamos em hebraico de Lashon haRá — a língua que causa dano — sendo Lashon haTov seu oposto, que descreve quando uma pessoa íntegra usa a fala para edificar e bendizer outros, aproximando-se do Sagrado (Lashon haKodesh). A maledicência (rekhilut) é uma escolha, onde o rekhil — mexeriqueiro mensageiro do conflito — além de reter fatos como vantagem, torna-se portador de más notícias e propagador de rumores. Ao assumir esse papel, que envolve conceitos morais, o transgressor ultrapassa um simples comportamento social, e esbarra em verdadeiras transgressões éticas (Averot), podendo o impossibilitar de ter uma porção no Mundo Vindouro (Olam haBá). Algo tão grave como humilhar publicamente ou difamar alguém (Motzi shem Rá), sendo equiparado nas leis judaicas ao assassinato e à usura, passível do Gehinnon sem alívio e sem descanso. Por isso que tal atitude perniciosa permeia o que chamamos no judaísmo de Yetser haRá, cujo conceito de ‘má inclinação’ explica um dos impulsos mais primitivos, e que deve ser subjugado pelo seu oposto, o Yetser haTov; sendo essa uma das mensagens contidas na alegoria mítica da Haggadáh do Gan Eden, onde não literalizamos Adam e Chaváh historicamente como figuras reais, mas enxergamos a estória de Adão e Eva no Jardim do Éden como uma parábola moral.
Mas parece-me que a sociedade atual tem se distanciado da ética e da busca por essa pureza moral. Afinal, talvez devido ao forte apelo midiático e das redes sociais, há uma crescente tendência de dar palco para as intrigas de figuras polêmicas, destacando o que pessoas tóxicas têm a dizer sobre os outros, sem se preocupar com sua própria responsabilidade social, muito menos em reconhecer a irrelevância do que não merece ser tratado com importância.
Deixo aqui o meu apelo para que, enquanto comunidade, possamos meditar mais sobre o peso das nossas palavras antes de proferi-las ou escrevê-las; e para que nos concentremos, não no que o maledicente ou o dissimulado têm a dizer, mas em focarmos nossas energias no que há de bom. Assim, veremos o que há de melhor nas pessoas e passaremos a valorizar seus esforços em tornar o mundo um lugar melhor para se viver.
ODAMIM: Guilherme Vinhatico Cury (Shlomo ben’Esav ibn-Ismail)
Artesão das Artes Plásticas, escultor, desenhista heráldico, ilustrador e poeta