Licitação e PPPs: há alguma relação?
As distinções normativas revelam que cada relação possui o próprio propulsor

Dos muitos mitos criados em torno das Parcerias Público-Privadas (PPPs), dois evidentes seriam a errônea afirmação de que PPP seria perda da titularidade para iniciativa privada e, não pior, que não haveria licitação para sua utilização, havendo direcionamento na contratação. Neste artigo, vamos rebater a segunda inverdade.
Sabemos que licitação é o procedimento administrativo no qual a Administração Pública busca a vantajosidade (expressão agora legal, mas cunhada pelo Professor Marçal Justen Filho) na aquisição de bem, obra ou serviço, sendo ordinariamente celebrado um contrato administrativo.
Recorda-se que as PPPs são contratos administrativos de longo prazo (espécies de concessão), que se utilizam de obras preexistentes ou futuras (brownfield ou greenfield) aliadas à prestação de serviço público e, com exigência constitucional, necessitam de licitação para sua concretização.
Embora ambas possuam previsão na Constituição Federal de 1988, os seus fundamentos orbitam microssistemas distintos: a licitação “pura” possui seu embrião no art. 37, XXI, estabelecido na Organização do Estado (Título III), em seu capítulo Da Administração Pública; as PPPs estão contidas no art. 175, disposto no primeiro capítulo do Título VII, denominado de Da Ordem Econômica e Financeira, e, para afastar qualquer dúvida, o constituinte foi categórico para celebração de concessão (PPP ou não): sempre através de licitação.
Os fundamentos constitucionais díspares refletem nas normas de regências: de um lado, a licitação pura fica regida pela Lei 14.133/2021; de outro, as Leis 8.987/1995 e 11.079/2004 concretizam o sistema de normas das concessões e PPPs – incidindo a Lei Geral de Licitação apenas de forma subsidiária (art. 186). Embora o start da relação com o ente privado seja o mesmo (licitação), as distinções normativas revelam que cada relação possui o próprio propulsor.
Das inúmeras diferenças, partimos do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Nas empreitadas de obras públicas resultantes das licitações puras, a preocupação é com a fidedignidade da planilha e seus custos unitários, índices e BDIs; nas PPPs, a viabilidade econômico-financeira advém de algum dos modelos de fluxo de caixa descontado (FCLE, FCLA, TIR ou TIRM) e da garantia que o Valor Presente Líquido (VPL) do projeto seja igual ou maior que zero.
Cada mundo com o seu reinado, mas a intenção é a mesma: ser amigo do rei não concretiza benefício. O interesse, em qualquer dos mundos, é a melhor contratação para a Administração Pública.
Estevan Pietro
Doutorando e mestre em Direito Administrativo pela Universidade de Coimbra (FDUC). Advogado. Chefe Gabinete SeMAE Rio Preto