Natal, família e o pacto do silêncio
É necessário afirmar que mulheres em situação de violência não devem lealdade ao silêncio

Tolstói dizia que todas as famílias felizes se parecem, enquanto cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Para muitas mulheres, porém, essa infelicidade é coletiva, estrutural e compartilhada — e costuma se sentar à mesa nas datas festivas.
O Natal é frequentemente apresentado como um tempo de união, perdão e reconciliação. Mas essa narrativa esconde um custo alto: o de mulheres que aprendem, desde cedo, que a manutenção da “paz em família” exige silêncio, adaptação e renúncia. Em nome da harmonia, espera-se que engulam desconfortos, relativizem violências e sigam convivendo com quem as feriu.
Apesar da alta subnotificação da violência doméstica — especialmente quando ocorre dentro de relações familiares e afetivas, onde o medo e a dependência dificultam a denúncia —, os dados disponíveis já são contundentes. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 70% da violência contra mulheres é cometida por parceiros ou ex-parceiros. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024) aponta que 84,7% dos casos de estupro e estupro de vulnerável têm como autor um familiar ou pessoa conhecida da vítima.
Diante disso, não é exagero afirmar que, em inúmeras ceias de Natal, vítimas e agressores compartilham o mesmo espaço. A pressão simbólica da data reforça esse silenciamento. Espera-se das mulheres maturidade e espírito conciliador. Qualquer tentativa de ruptura — um limite imposto ou uma ausência na ceia — costuma ser interpretada como exagero ou ingratidão. Falar sobre a violência “estraga o clima” e denunciar “acaba com o Natal”.
É necessário afirmar que mulheres em situação de violência não devem lealdade ao silêncio. Preservar-se não é egoísmo, é sobrevivência. Impor limites, recusar convívios que ferem e buscar apoio são formas legítimas de cuidado. Às pessoas que não vivenciam essa realidade, cabe estar atentas, escutar sem julgar e atuar como rede de apoio. Que este Natal não seja mais um em que mulheres precisem se calar para que tudo pareça em ordem.
Preserve-se. E cuide das mulheres à sua volta.
Bruna Passetto Seron
Psicóloga, especialista em violência doméstica e artista plástica. Idealizadora da organização Maria Violeta, delegada titular da 5ª CNPM e membra do coletivo Mulheres na Política.