Ninguém se importa, ninguém enxerga a gente
Nós nos importamos, nos apoiamos e ganhamos força para negar o sistema opressivo

“Ninguém se importa, ninguém enxerga a gente” frase dita pela personagem Janiyah Wiltkinson no filme Até a última gota, que estreou no último mês na plataforma Netflix. Janiyah é uma mulher negra, pobre e periférica que enfrenta a extenuante tarefa de cuidar sozinha de sua filha doente.
Esta personagem é levada ao limite de suas capacidades existenciais ao tentar lutar contra um sistema que coloca nós, mulheres negras em um lugar de “Outro” desqualificado. Um lugar social onde as opressões de raça, classe e gênero se interseccionam e que levaram Janiyah a “perder a razão”, tirar uma vida e a assaltar um banco.
Historicamente nós, mulheres negras, temos nossas vidas marcadas pela exploração, violência, não reconhecimento de nossa humanidade e falta de oportunidades. A dominação imposta a nós, mulheres negras, tornou-se possível a partir de discursos intencionalmente construídos por grupos de interesse a fim de manter-nos em posição de subordinação permitindo assim a exploração material e sexual.
Assim como Janiyah, a maioria de nós, mulheres negras, tentamos exaustivamente cuidar de nossos filhos, de nossas famílias de nossas vidas e proporcionar o mínimo de dignidade, mas, a todo momento nossas vidas são atravessadas pelo racismo, pela pobreza, pelo machismo por julgamentos morais orientado por um imaginário estereotipado que impedem que sejamos vistas.
Ninguém se importa, ninguém enxerga a gente! Embora ninguém, além de nós mesmas, queria saber, e nem se importe com a condição de nós, mulheres negras, todos os outros se acham autorizados a explicar quem somos, o que precisamos e como devemos nos comportar.
Qual a saída para este sistema de opressões que nos impõe e que nos obriga a traçarmos estratégias de sobrevivência, a nos comportamos sempre de forma reativa, impositiva, e com uma certa dureza nos sentimentos? No filme, Janiyah é vista e reconhecida por outras mulheres negras, mulheres que conseguiram acessar lugares de destaque e mantiveram o compromisso com outras mulheres negras.
Nós nos importamos, nós nos vemos, nos amparamos, nos apoiamos e ganhamos força para negar o sistema opressivo no qual estamos inseridas. Neste mês de julho, mês de reflexão e exaltação das mulheres negras latino-americanas e caribenhas, que possamos juntas construir nossas próprias narrativas sobre quem somos e sobre o que queremos e esperamos do mundo.
Luana Silva de Souza Flor
Professora da rede pública do Estado de São Paulo