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ARTIGO

O que estamos ensinando hoje?

Qual o propósito das práticas pedagógicas e dos conteúdos ofertados em nossas escolas?

por Luana Silva de Souza Flor
Publicado em 31/10/2025 às 20:31Atualizado em 01/11/2025 às 16:38
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Na obra Ensinando a transgredir – a educação como prática da liberdade, a professora, escritora, intelectual feminista negra bell hooks apresenta uma reflexão sobre a possibilidade de a educação ser utilizada como prática transgressora e libertária. Partindo de sua experiência, vivida em escolas segregadas e posteriormente integradas, hooks evidencia como as práticas educacionais podem se prestar tanto para a manutenção de relações de opressão quanto para a promoção da resistência e até superação de um sistema opressor.

Nas escolas segregadas (de negros), a educação estava imbuída de um compromisso político com os estudantes, conhecimento para instruir e instrumentalizar contra o preconceito e segregação racial “uma pedagogia revolucionária de resistência”. Já as escolas integradas evidenciavam a tentativa de apagamento cultural dos negros e sujeição ao grupo branco dominante, integração significava submissão a uma estrutura racialmente desigual.

A partir da experiência apresentada por hooks, podemos pensar em nossa própria realidade e nos questionarmos: qual o propósito e a intencionalidade das práticas pedagógicas e dos conteúdos ofertados em nossas escolas?

Trabalhando há 13 anos na rede pública de ensino, pude vivenciar várias mudanças ocorridas na educação como, por exemplo, as várias adequações do currículo - a retirada de componentes tradicionais e a inserção de novos, mudança no regime de ensino regular para a escola de tempo integral e a inserção de tecnologias como as plataformas de ensino e monitoramento das atividades escolares.

Assim como bell hooks, acredito que hoje exista um distanciamento entre a escola e os estudantes. A universalização do acesso à escola, por si só, não garante aos estudantes acesso de qualidade e preservação da diversidade cultural e a promoção da inclusão genuína de diferentes sujeitos no ambiente escolar.

Todas as mudanças ocorridas ao longo do tempo parecem ter efeito contrário ao pretendido. Escolas de tempo integral, por exemplo, quando implantadas sem condições estruturais mínimas de permanência para os estudantes, tornam-se apenas espaços de cuidado precários e não de promoção genuína de conhecimento e cidadania.

O acesso às tecnologias nas escolas, embora importante para superação das desigualdades, se não for acompanhado de reflexão dos impactos social, econômico e ambiental, não promove uma verdadeira educação digital.

A educação “utilitária” oferecida hoje a crianças e jovens tem contribuído muito mais para uma (des) identificação e rejeição da escola do que uma possibilidade de superação das condições de desigualdade presentes em nossa sociedade. A escola, enquanto instituição social, tem cumprido o papel de reprodução e perpetuação das relações desiguais presente no todo social.

Luana Silva de Souza Flor

Professora da rede pública do Estado de São Paulo