Diário da Região
RADAR ECONÔMICO

O Turismo Distópico: entre a Nostalgia e a Regeneração

por Célia Gomes
Publicado em 07/10/2025 às 18:42Atualizado há 15 horas
Célia Gomes (Célia Gomes)
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A Terra atravessa um período de intensa metamorfose, um processo que Divaldo Pereira Franco descreve em sua obra Transição Planetária como uma evolução moral da humanidade rumo à regeneração. Essa transição não se restringe à esfera espiritual ou política; ela se manifesta em todos os setores, na economia, cultura, meio ambiente, turismo como espelho das relações humanas com o planeta e reflete de maneira palpável e, por vezes, desconcertante. As evidências das tensões ambientais e sociais geram um sentimento de sobressalto, mas é imperativo reconhecer que, embora nem sempre visível no curto prazo, toda mudança profunda tende a ser benéfica para o futuro do planeta.

Vez após outra reconheço que diversos profissionais do setor do turismo, assim como Eu, têm se deparado com questões inquietantes advindas das incongruências, dos descompassos e por muitas vezes de situações conflituosas mediante a nova realidade do viajar.

Para ilustrar essa sensação de um "turismo distópico" — onde o conforto do passado cede lugar a restrições urgentes, utilizarei uma análise comparativa dos meios de hospedagem, transporte e hospitalidade.

O Glamour Desaparecido da Viagem Aérea onde voar era um evento social, reservado a um público abastado. A experiência era marcada pelo luxo dos tailleurs impecáveis, refeições servidas em porcelana fina e talheres reluzentes, características dos anos 60 e 70. Atualmente vivemos a Era da Restrição e da Eficiência, a democratização do acesso veio acompanhada de um enxugamento drástico dos serviços. As vestimentas são livres, mas a concessão de conforto é mínima. Em voos curtos, refeições são raras, e a nova regulamentação sugere limitação da bagagem de mão a uma única mochila, forçando o despacho e a cobrança por qualquer volume extra. A eficiência logística sobrepôs-se ao conforto.

Na hotelaria a mudança é ainda mais sutil e impactante com a Redefinição da Diária Hoteleira. A noção de uma diária de 24 horas, que permitia ao hóspede chegar ao meio-dia e sair no dia seguinte ao meio-dia, está sendo substituída por um ciclo de 21 horas. A justificativa oficial é o tempo necessário para a limpeza e higienização dos apartamentos. Questiona-se: como essa limpeza era realizada anteriormente sem exigir a redução do tempo de uso pelo hóspede?

A Consciência Hídrica no Banho deixa o luxo de outrora em encher a banheira e meditar sobre a vida sem preocupações ambientais, tornou-se um ato de egoísmo. Hoje, a escassez hídrica impõe uma autodisciplina no banho. É raro encontrar estabelecimentos hoteleiros que invistam significativamente em reuso de água para fins não potáveis, expondo a lentidão da adoção de práticas sustentáveis por parte da infraestrutura hoteleira.

A Hostilidade ao Turismo de Massa foi manifestada recentemente em alguns destinos europeus, que outrora investiram fortunas em marketing para atrair o turismo gerador de divisas, agora se veem obrigados a implementar medidas para repelir o excesso de visitantes. O turismo de massa, antes celebrado como motor econômico, é visto, pontualmente, como uma força destrutiva

O portal de boas-vindas de inúmeras cidades turísticas, um símbolo da hospitalidade, foi substituído por postos de cobrança de taxas de permanência. Carros, motos e ônibus pagam para circular em cidades que antes celebravam a chegada do visitante. Essa Taxação da Presença, embora necessária para a gestão de fluxos, marca o fim da gratuidade simbólica do ato de visitar.

Essas mudanças revelam que o turismo está sendo forçado a se regenerar. O que parece distópico, menos conforto, mais regras, mais custos, é na verdade, o preço da adaptação planetária. A transição exige que o viajante se torne mais consciente, menos consumidor de luxo insustentável e mais participante do ecossistema local. O futuro do turismo, que a COP30 em Belém ajudará a moldar, não será sobre quanto podemos consumir, mas sobre como podemos nos conectar de forma responsável com os destinos que visitamos.

Célia Gomes

É membro do Conselho Municipal de Turismo