Os eleitores e a democracia
Um dia, aqueles que governam, ou que pretendem governar para as minorias, entrarão para os livros de história como aqueles que tentaram reviver lembranças tristes de um período que ninguém, em sã consciência, deseja que tivesse existido

Quem nasceu no final dos anos 1980, ou no início dos anos 1990, lembra-se muito pouco, ou quase nada, do que acontecia na economia brasileira, antes da implantação do Plano Real. Aliás, este fato é um dos grandes desafios que enfrento sendo professor de Economia: como fazer com que um jovem de 18 anos, ou perto disso, acredite que, entre 1980 e 1993, o Brasil teve cinco moedas (Cruzeiro, Cruzado, Cruzado Novo, Cruzeiro e Cruzeiros Real), e que foram retirados nove zeros do valor monetário entre as trocas de três dessas moedas (Cruzeiro para Cruzado; Cruzado para Cruzado Novo; e, Cruzeiro para Cruzeiro Real)? Pior, ainda, como explicar que somente no mês de março de 1990, no (des)governo do Collor, a inflação chegou a 83%?
Falando em inflação, imaginem a cara de espanto e a falta de credulidade que alguns alunos demonstram quando menciono que a inflação acumulada, entre dezembro de 1979 e junho de 1994, chegou a 13.342.346.717.617,70% (isso mesmo, mais de 13,3 trilhões por cento). Enfim, a geração que tem trinta e poucos é, de certa forma, privilegiada. O conjunto de pessoas que fazem parte dessa faixa etária teve a sorte de poder conviver como uma moeda única e estável, e com índices de inflação civilizados, mesmo quando ocorreram crises econômicas diversas, crises essas que volta e meia, insistem em dar as caras por aqui.
Por tudo isso e mais um pouco, é que sugiro para os alunos que demonstram interesse em conhecer um pouco melhor o contexto político e econômico do país, no período pré-Plano Real, o livro “Saga brasileira: a longa luta de um povo por sua moeda”, publicado em 2011, pela jornalista Miriam Leitão. Nesse livro, a autora apresenta, em detalhes, o panorama da aceleração da inflação no país, no decorrer do século XX. Fala, também, sobre: o gasto descontrolado de dinheiro durante o governo militar; os vários planos econômicos pós-ditadura; o Plano Real; e, ao final, como nossa moeda e nossa economia chegaram à primeira década do século XXI.
É importante ressaltar que esse livro foi o ganhador de dois prêmios Jabuti: um como “Livro Reportagem” e outro como “Livro do Ano de Não Ficção”. Ambos em 2012. Como jornalista, Miriam Leitão recebeu vários outros prêmios ao longo da carreira, em especial, o “Maria Moors Cabot Prize”, conferido pela Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia (Nova Iorque). Militou contra a ditadura militar, motivo pelo qual a extrema direita e os filhotes da ditadura brasileira torcem o nariz quando mencionada ou quando ela se manifesta, de forma crítica, sobre partidos e políticos que tentam ressuscitar aquele regime. Por sua militância, foi presa e torturada, mesmo estando no primeiro mês de gestação. Ao ser libertada, aos 4 meses de gravidez, pesava 39 kg. Até hoje, Miriam Leitão carrega os traumas das violências físicas e psicológicas as quais foi submetida, enquanto esteve presa. Porém, e apesar de tudo, nunca deixou de combater a ditadura e o regime militar.
Histórias inspiradoras, como a dessa mulher, me fazem acreditar que, de fato, a “longa luta de um povo por sua moeda” valeu a pena. Acredito, igualmente, que a longa luta do povo brasileiro pela democracia está valendo a pena, apesar da dura resistência. Outro detalhe: a luta pela democracia precisa ser um combate diário, e serão os eleitores, que permanecerem do lado de quem realmente defende a soberania do nosso país e os interesses da maioria da população brasileira, que têm a chance de tornar essa batalha mais fácil. Um dia, aqueles que governam, ou que pretendem governar para as minorias, entrarão para os livros de história como aqueles que tentaram reviver lembranças tristes de um período que ninguém, em sã consciência, deseja que tivesse existido.
Ademar Pereira dos Reis Filho
Doutor pelo IGCE-Unesp de Rio Claro e docente da Fatec de São José do Rio Preto