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ARTIGO

Prazer também é política

Um horizonte inteiro de possibilidades de prazer e política para nossos corpos

por Aline Stones
Publicado em 04/11/2025 às 19:40Atualizado há 11 horas
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A primeira vez que beijaram os dedos dos meus pés durante o sexo, eu entendi: o corpo é além. A pornografia, ao contrário do que se acredita, tem um papel imenso em reduzir as potencialidades do corpo e do prazer, transformando uma prática essencial à saúde humana em gestos mecânicos, repetitivos, sem alma.

Entrelaçando este tema ao debate sobre o câncer de mama, Outubro Rosa se despediu em um belo Dia das Bruxas, lembrando-nos de que somos raízes latino-americanas, curandeiras, intelectuais, produtoras de elixires de vida, mulheres que naturalmente buscam prazer — mas também, ameaçadas.

É fato que mulheres cada vez mais jovens são acometidas pelo câncer de mama, uma doença que, embora tenha alta taxa de cura, mexe profundamente com a autoestima. Em muitos casos, exige a retirada do seio, a reconstrução, e a perda de sensibilidade local. Um câncer que fere simbolicamente o feminino, já oprimido pela indústria da moda e pelas exigências estéticas.

Diante desse cenário, fruto da sobrecarga de trabalho, da comida envenenada e de tantas opressões, resta a pergunta: o que fazer?

Voltemos aos dedos dos pés, às muitas possibilidades de prazer. O corpo da mulher não deve mais ser reduzido ao imaginário empobrecido da cultura pornográfica. Libertemos as mulheres das amarras, mas também da redução de seus pontos G’s. Coloquemos na roda o pescoço, as mãos, o umbigo, as coxas, as panturrilhas, os beijos nos olhos, os carinhos das mãos.

Libertar a mulher é permitir que seja corpo além dos seios — reconhecendo sua importância na nutrição da vida e no aconchego do amor —, mas não apenas por essa via. Existem outros caminhos a explorar.

Se humanizássemos as relações de afeto, lidaríamos melhor com a queda estética do corpo que pode adoecer e, mesmo que não padeça, envelhecerá. A objetificação reduz nossa percepção da vida, amedronta mulheres e lhes rouba o direito ao autocuidado e ao diagnóstico precoce.

Afinal, se eu fizer o exame e descobrir um câncer de mama, quem vai me amar? A resposta que encontrei é: eu sinto prazer até mesmo nos dedos dos pés.

Aline Stones

Professora, pedagoga e mestra em educação. Militante decolonial/anticolonial e membro do coletivo feminista ‘Mulheres na política’, de Rio Preto.