Diário da Região
ARTIGO

Quando a infância era do tamanho do mundo

O tempo não volta, nem para mim, nem para quem vem depois, todavia, ele deixa rastros

por Gilson Ribeiro
Publicado em 23/06/2025 às 22:51Atualizado em 24/06/2025 às 09:04
Gilson Ribeiro (Gilson Ribeiro)
Gilson Ribeiro (Gilson Ribeiro)
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Ainda é madrugada, e a nostalgia acordou comigo, pensei no tempo, não no tempo porvir, mas no tempo que se foi — e com ele tantas coisas que julgamos importantes — a beleza, a fortuna, a força, a juventude... tudo passa, tudo é impermanente; tudo se esvai como bruma diante do sol, e o que realmente permanece são as coisas de Deus, as que o tempo não corrompe — o caráter, o bem que fizemos ao próximo, os abraços sinceros, os olhares trocados e as lembranças que construímos junto de quem amamos.

A vida é assim — chega e vai embora, e, nesse breve interregno, o que merece mesmo ser valorizado é o amor, a convivência, a amizade verdadeira, porque, no fundo, as saudades mais intensas que carregamos não têm a ver com objetos, mas com sentimentos que volta e meia afloram dentro de nós.

Ninguém sente falta de um carro, de uma casa ou de uma conta bancária, o que sentimos falta é da felicidade que vivemos naquela época, não temos saudade da infância em si, mas do que fizemos nela, dos amigos que cultivamos, das brincadeiras que nos marcaram, da liberdade que nos formou.

Lembro, como se fosse ontem, dos dias em que eu acordava cedo e só voltava para casa ao meio-dia, suado, com os joelhos ralados e a alma leve; a tarde era uma extensão do paraíso — mais correria, mais brincadeiras, mais riso, voltava para casa apenas para comer e sair de novo, como se o mundo fosse meu quintal.

Naquele tempo, brinquedos caros era exceção, a regra era a imaginação, um sofá virado em dia de limpeza era nave espacial; duas latinhas amarradas por um barbante construíam um telefone capaz de atravessar galáxias; éramos engenheiros da infância e poetas do improviso.

Mas o mundo... Ah o mundo mudou, e a infância livre, com vento no rosto e areia nos pés foi sendo trocada por telas, primeiro a da televisão, depois a do computador, e hoje a do celular, e a rua virou ameaça, a vida lá fora, que antes era extensão do nosso corpo e alma, transformou-se em terra intransponível — terra de forasteiro.

O tempo não volta, nem para mim, nem para quem vem depois, todavia, ele deixa rastros, deixa memórias que ninguém pode apagar, e estas não estão guardadas em álbuns de fotos ou arquivos digitais, estão na alma, e é lá que a verdadeira infância vive — eternamente livre.

Porque infância, quando é de verdade, não termina, ela apenas se esconde no peito, esperando o dia em que a gente, cansado de ser adulto, resolva reencontrá-la; para isto, basta fechar os olhos e lembrar de quem fomos… e de como fomos felizes com tão pouco, viva o passado, viva a nostalgia!

Gilson Ribeiro

Contador, cronista, poeta e membro da Academia Maçônica de Letras e Cultura do Noroeste Paulista