Representatividade nos coloca no alvo
Por que tanto estranhamento uma lista só com homens e outra só com mulheres?

Nas últimas semanas, a grande mídia entrou em polvorosa porque uma mulher “ousou” desafiar o sistema patriarcal e construir duas listas tríplices para a constituição do TSE, utilizando o critério de gênero. Uma das listas só continha indicação de homens, até então nada fora do comum, mas a outra continha exclusivamente mulheres, aí sim, a verdadeira “revolução”.
“Cármen ‘força’ Lula a indicar mulheres ao TSE”, “Lista só de mulheres no TSE cria um impasse para Lula”, “Cármen Lúcia força indicação de mulheres ao TSE”, foram algumas das manchetes que se viram estampadas em veículos de grande circulação do país.
Mas por que causa tanto estranhamento ter uma lista só com homens e outra só com mulheres? Por que incomoda tanto a ausência de um nome masculino numa lista, quando nunca se viu a mesma movimentação ou a mesma indignação na apresentação de listas tríplices onde mulheres constantemente estão ausentes? E mesmo quando presentes, são preteridas em função de articulações políticas e privilégio, sim, de gênero, como temos visto nas últimas nomeações?
Por que não causa tanto alvoroço saber que no Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, temos 26 (vinte e seis) homens e apenas 5 (cinco) mulheres? Isso não deveria nos causar mais indignação? Por que não se causou tanto alarde quando, diante de uma lista tríplice contendo duas mulheres e um homem, ele foi o escolhido, mesmo essa escolha tendo configurado um retrocesso em relação à paridade de gênero?
Ora, senhoras (e vou, sim, usar o vocativo no feminino, pois é prerrogativa de quem escreve direcionar a escrita a quem dela necessita), tudo isso acontece e aconteceu mais uma vez neste caso em que a ministra Cármen Lúcia foi retratada como “pivô de um impasse” e “causadora de um conflito”, pelo simples fato de que a nós, as mulheres, não é dado o direito de agir com estratégia e inteligência. E se isso acontece precisamos necessariamente ser retratadas como manipuladoras e ardilosas, ainda que de forma sutil e disfarçada, num desnecessário reforço de estereótipos femininos misóginos, que precisam ser constantemente reiterados sob o risco de passarmos a ser vistas pela sociedade como iguais, porque isso é assustador e inadmissível diante do status quo.
Ministra Cármen Lúcia, parabéns pela estratégia inteligente e pela coragem de se dispor a exercer sua representatividade e se colocar mais uma vez como alvo, que é o que nos tornamos sempre que ousamos ocupar espaços de poder e decisão!
Alexandra Fonseca
Advogada integrativa, mãe atípica, ativista e membra do Coletivo Mulheres na Política