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Rita Lee, a leveza era só disfarce

Rita, por trás da imagem solar, também foi vulnerável e sensível à dor

por Lu Rocha
Publicado em 04/11/2025 às 19:38Atualizado há 11 horas
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O espetáculo 'Rita Lee: uma autobiografia musical' é uma surpresa que desperta emoção, memória e reflexão. Uma autobiografia autorizada, construída com delicadeza e cuidado, que busca reproduzir a artista em seus gestos, expressões e trejeitos. A cada cena, percebe-se a intenção de aproximar o público da Rita que sorria, brincava, ironizava e encantava, e há, sem dúvida, um carinho genuíno nessa tentativa.

A atriz Mel Lisboa conduz o espetáculo com doçura, e é justamente essa escolha que dá ao tributo sua identidade. É uma Rita sensível, terna, quase etérea, e talvez por isso mesmo, senti falta da outra Rita: a rebelde, provocadora, inquieta, transgressora. Aquela que fazia da irreverência uma forma de pensamento e da liberdade um ato político. Essa ausência não é uma falha, mas um contraste. O espetáculo escolhe o afeto, onde Rita tantas vezes escolheu o confronto, e essa inversão também tem sua beleza.

Logo no início, a redescoberta de Menino Bonito, canção feita para Roberto de Carvalho, hoje, lindamente interpretada por Chico Chico, trouxe um dos momentos mais comoventes. É uma música que hoje me acompanha com frequência, talvez porque revela o lado mais íntimo e humano de Rita, o amor que também era criação, parceria, entrega. Um respiro doce na peça.

Dois momentos, em especial, me impactaram. O primeiro, quando ela fala das perdas, dos amigos, dos artistas, familiares, das vozes que se calaram. O silêncio que segue essas lembranças é o mais eloquente do espetáculo, e faz o público lembrar que Rita, por trás da imagem solar, também foi vulnerável e sensível à dor.

O segundo, no desfecho, quando surge a Rita idosa. Ali, Mel ultrapassa a interpretação: ela está incorporada, inteira, presente. Naquele instante, Rita estava no palco, lúcida, viva.

E então vêm as botas. Símbolo máximo da atitude que Rita carregava com naturalidade e insolência. Olhar para elas é lembrar que a rebeldia também pode ser elegante, e eterna. Rita vive, as botas vivem, e eu quero todas as botas para mim.

Lu Rocha

Atua com estratégia de marketing e comunicação, e é apoiadora da inquietude que move a cultura.