Sankofa: quando o passado aponta o caminho!
Retornar às raízes é um gesto de coragem e reverência à ancestralidade

Pensar sobre o que fizemos, ou sobre o que poderíamos ter feito ao longo deste ano, é mais do que revisitar lembranças: é delinear uma retrospectiva da própria vida. Muitos costumam dizer que não devemos olhar para o passado, que o caminho existe apenas adiante, firme no rumo do futuro. Entretanto, sob outra lente, é o passado que se mantém diante dos nossos olhos, porque podemos vê-lo e reconhecer suas formas. Já o futuro permanece atrás, invisível, incerto, ainda sem contornos; uma sombra de possibilidades que desconhecemos.
Existe um provérbio tradicional na língua twi, falada pelos Akan em Gana, Togo e na Costa do Marfim, que diz: "se wo were fi na wosan kofa a yenki", cuja tradução seria: 'não é tabu voltar atrás e buscar o que foi esquecido'.
Esse ensinamento é representado pelo pássaro Sankofa, que voa para a frente com a cabeça voltada para trás, e constitui um dos símbolos mais profundos da filosofia africana. E foi a partir dele que criei a escultura 'Gris-gris do voo onírico de Sankofa, o pássaro guia', em homenagem aos povos de matriz africana, como força de expressão e perseverança, além de apresentar a filosofia africana para o Ocidente.
A obra integrou a mostra coletiva na Casa de Cultura Dinorath do Valle, que ocorreu de 5 a 22 de novembro de 2025, como parte das comemorações do Mês da Consciência Negra, na programação da 3ª edição do FestAxé 2025, ao lado da obra 'Ọmọlu Obaluaiyê: Kavungo Nsumbu', de Guilherme Vinhatico Cury, meu marido, com quem compartilho a assinatura artística ODAMIM.
Segundo a tradição oral, o pássaro Sankofa voava em busca de um futuro próspero, mas, ao longo do caminho, perdeu um ovo precioso — símbolo da sabedoria e das origens. Ao perceber a perda, parou e voltou para resgatá-lo, mesmo sabendo que o tempo havia passado e que a jornada seria mais longa. Assim, Sankofa tornou-se um símbolo de reconexão e resgate, emblema de resistência, memória e identidade; um lembrete para compreender que voltar não é retroceder, mas resgatar o que precisa ser levado adiante.
Desse modo, compreender o passado e retornar às raízes é visto como um gesto de coragem e reverência à ancestralidade. Um ensinamento às novas gerações de que o retorno não é um regresso, mas uma forma de reconhecer, aprender e honrar.
Ambas as obras, criadas em homenagem às tradições afro-brasileiras e às fés de matrizes africanas, permanecem em exposição ao lado de trabalhos de outros artistas, mas agora no saguão do Teatro Municipal Humberto Sinibaldi Neto, até 15 de dezembro de 2025, na Mostra 'Diversidade' — e deixo aqui o convite para que visitem. Porque só atravessa o próximo ano quem ouve o chamado do próprio nome.
ODAMIM: Regiane Silva Cury
Artesã das Artes Plásticas, escultora, escritora e poeta.