‘Tombemu num arrocho’
Falaram sobre as duas crônicas mais recentes aqui publicadas e disseram que se viram nelas

No final de semana passado, recebi em meu ateliê o casal de amigos Armando e Cidinha. Na época em que vivíamos na roça, ele morava no bairro rural da Cana do Reino, em Potirendaba, e ela num sítio próximo à vila Ventura. Depois de casados, vieram morar em Rio Preto. Tanto eles quanto eu éramos tocadores de café ‘à meia’. Éramos os chamados meeiros de café.
Conversamos sobre vários assuntos e, claro, relembramos nossos tempos vividos na roça — das dificuldades que era contar com a complacência da natureza. Tinha ano de muita seca e tinha ano que era exatamente o contrário. Éramos afetados de todas as maneiras.
Estamos falando de meados dos anos 1960. O Brasil vivia um atraso muito grande na agricultura e, hoje, ao olhar para trás, percebemos o quanto evoluímos. Além de cuidar dos cafezais, também plantávamos arroz, feijão e outros cereais, somente para a nossa subsistência. A colheita mal dava para o gasto das famílias. Vender? Nem pensar. E hoje, o agro se desenvolveu de tal maneira que o Brasil alimenta um terço da humanidade.
De conversa em conversa, me disseram que são leitores assíduos desta coluna e que se divertem com os assuntos aqui abordados. Falaram sobre as duas crônicas mais recentes aqui publicadas e disseram que se viram nelas.
Perguntei: — Como assim?
O casal contou que começou a namorar num baile no bairro rural dos Coqueiros — lá mesmo onde nasceu a famosa jogadora Hortência. Armando ia todos os finais de semana a cavalo, geralmente no sábado à tarde, e por volta das oito horas da noite tinha que se despedir. A Cidinha lembrou que o namoro era na sala, sob as vistas do pai, que não arredava o pé.
Armando, injuriado com a marcação ferrenha do pai dela, não via outro jeito a não ser fugir para, em seguida, casar. Marcaram dia e hora. O danado do velhote parecia que tinha bola de cristal. Percebeu um movimento diferente da filha e falou para a esposa que tinha algo estranho acontecendo. Disse à mulher que, naquela noite, ela teria que dormir com a filha.
Na hora marcada, lá estava o Armando esperando, sob a luz romântica da lua, que de tão cheia, parecia até estar grávida. A moça foi dormir pensando no namorado, mas não tinha como avisá-lo. Ele, de tanto esperar, foi embora aborrecido.
Semanas depois do ocorrido, marcaram de novo a fuga. Dessa vez, deu certo. À hora combinada, lá veio ela ao seu encontro. Montou na garupa do cavalo e agarrou-se à cintura do futuro marido. Os hormônios falaram mais alto. Torceu as rédeas de lado e, no pé de ipê, amarrou o alazão. E completou:
— Joguei o pelego no chão... e ‘tombemu num arrocho.’
Jocelino Soares
Artista plástico, pós-graduado em arte educação e membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura