Diário da Região
ARTIGO

Uma crônica catastrófica

De repente não é mais um mundo prático. Não mais utopias. Não mais viver

por Lelé Arantes
Publicado em 25/08/2025 às 19:04Atualizado em 26/08/2025 às 09:53
Diário da Região
Diário da Região
Ouvir matéria

A única saída que lhe resta é escrever, a porta de escape. Precisa ser rápido pois em minutos tudo esvanece na mente flutuante, destrutiva, catastrófica, esmerilhadeira. Os pensamentos vagueiam e se atropelam enquanto alguém ou alguns esperam dele um gesto de grandeza. Na sua mente desconexa, ele busca um raciocínio cartesiano: só quem comete gestos de grande baixeza seria capaz de gesto de grande. Ele sabe, porém, que seu ego nunca se alinhou a Descartes. É heraclitiano, mas inconsistente, fragmentado, quebrado: o rio é o mesmo, as águas é que são diferentes, diáfanas e incongruentes.

Alguém lhe disse que sua mente é autodestrutiva. Ele sabe disso, sabe-a desconstrutiva, altamente ameaçadora, como bêbado equilibrista a borda do abismo. O cérebro é um mundo desfragmentado e ideias e projetos e plano e cenas são como sonhos despedaçados, saltitantes em uma gaiola de loucos, com imagens que não se ligam, um caldeirão fervente onde a água em ebulição parece querer saltar no ar para se salvar... É preciso ser rápido para apreender o insight porque ele é veloz, tênue, frágil. Miríades, tudo miríades.

De repente não é mais um mundo prático. Não mais utopias. Não mais viver. Viver se torna suplício. Entretanto, o cérebro sabe que não pode contrariar o gene. O gene é mais forte e insiste em viver. Busca motivos, inventa sonhos, trava com a mente uma luta insana: Krishna é uma metralhadora falante e Arjuna, como Odisseu, põe cera nos ouvidos, não se encanta mais com as sereias.

Nesta luta do rochedo com o mar que povoam o oceano da mente, as luminescências cerebrais que piscam constantemente como luzinhas chinesas do Natal cristão estão explodindo, quebrando-se. O nevoeiro gritante investiga, acusa, condena e executa. Ele não quer mais olhar-se no espelho, como naquele verso de Derek Walcott. Não sente mais o sabor do pistache nem o aroma do café. É um adeus a Auden; que parem todos os relógios! É uma pintura de um Dalí grotesco.

Sem gesto de grandeza, sem força para saltar do limbo cerebral, ele torce para que cientistas como o gaúcho Eduardo Zimmer, alcancem a pálida centelha azul que parece brilhar no fim do túnel encontrando alívio para aqueles cuja mente catastrófica passa como aluvião dos grandes rios, que tudo destroem, e deixam atrás de si um amontado de sonhos e esperanças despedaçados. Cura para os outros, pois ele, sob as bençãos de Shiva, já aceitou a autodestruição e recusa auxílio, orações e confetes.

Lelé Arantes

Cadeira nº 8 da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura - Arlec.