O que a intuição não vê, o caixa cobra

Num ambiente de crédito seletivo e competição acirrada, decidir deixou de ser apenas um ato de liderança para se tornar um exercício de mensuração. Quando a incerteza cresce, a empresa que transforma fatos em direção protege margem, evita desperdícios e sustenta empregos. O caminho passa por um vocabulário que precisa deixar o bastidor e ir para a mesa de decisão: curva ABC (classificação dos itens mais importantes do estoque), cobertura (quantos dias de venda o estoque garante), margem bruta e de contribuição (lucro antes e depois dos custos variáveis), ticket médio (valor médio de cada venda), CAC (custo para conquistar um cliente), LTV (quanto esse cliente deixa ao longo do tempo), ROI (retorno sobre investimento), taxa de conversão e ciclo de vendas, engajamento e churn (cancelamentos). Não são siglas ornamentais, mas instrumentos que conectam vitrine a caixa, marketing a vendas e estoque a lucro.
Começa pelo estoque, que é investimento antes de ser venda. Quando os produtos são ordenados por relevância de receita e lucratividade, a curva ABC mostra onde concentrar sortimento, promoções e capital, enquanto giro e cobertura revelam se o dinheiro está parado quando deveria rodar. Antes de desligar um SKU por baixa performance, porém, é preciso observar sua correlação de cesta e efeito sobre outros itens. Assim se libera caixa, se reduz obsolescência e se extrai margem real, não a margem ilusória que se perde em perdas, quebras ou inventário mal feito.
Em seguida, é preciso separar lucro de fôlego. Margem bruta e margem de contribuição orientam preço e mix, mas a sobrevivência diária depende do calendário de recebimentos e pagamentos. Uma operação que fatura seis dígitos no mês e exibe margem de dois dígitos pode terminar sem paz de espírito se não provisiona corretamente, concentra demais prazos a receber ou antecipa compromissos em excesso. Não é raro ver lucro contábil convivendo com tesouraria apertada, problema que se corrige com política de crédito disciplinada, análise de inadimplência, prazos coerentes com o ciclo de vendas e reservas de caixa proporcionais ao risco e à sazonalidade.
Do lado da receita, medir é escolher. Métricas de vaidade abrem apresentações, métricas de eficiência pagam a folha. Taxa de clique e custo por clique só importam quando explicam custo de aquisição de cliente e retorno por campanha. A relação entre LTV (quanto cada cliente gera de margem no tempo) e CAC (quanto custa conquistá-lo) impõe limite à euforia: cliente bom é o que fica, recompra e indica. Conversão entre etapas do funil, do contato ao orçamento e do orçamento à venda, somada ao ciclo médio e ao tempo de resposta, revela vazamentos que nenhuma verba resolve se o processo comercial não mudar. CRM bem preenchido não é burocracia: é o mapa que transforma mais conversas em receita com menos desperdício.
Cliente é ativo e risco ao mesmo tempo. Analisar churn (cancelamento), recompra e qualidade percebida com método permite projetar faturamento com maior precisão. Quando a lucratividade por cliente entra na conta junto com o custo de servi-lo, a empresa evita confundir movimentação com movimento. Programas de relacionamento deixam de ser custo quando demonstram impacto sobre margem, e o atendimento vira alavanca de resultado quando se acompanha tempo de resposta e taxa de resolução já no primeiro contato. Satisfação sem indicador vira narrativa, e narrativas não pagam boletos.
Tudo isso ganha força quando vira rotina. Um painel mínimo, revisto com cadência certa, semanal para giro, ruptura e funil, mensal para ROI e clientes, trimestral para mix estratégico, responde a perguntas que parecem simples e que, com dados, mudam o mês: quais itens destravam margem sem matar giro, qual capital imobilizado não retorna no prazo, qual canal entrega clientes que ficam e geram valor, onde o funil vaza e por que as propostas perdem força na reta final. A partir dessas respostas, vêm as conversas difíceis que sustentam resultados: desligar o produto querido que não entrega contribuição, reprojetar a campanha simpática que não fecha conta, renegociar prazos que drenam o caixa. Coragem sem número vira voluntarismo, número sem coragem vira relatório esquecido.
A economia local tende a se fortalecer quando cada elo da cadeia decide melhor. O comércio que ajusta mix e precificação compra melhor da indústria, a indústria que planeja produção a partir de pedidos qualificados reduz desperdício, os serviços que tratam o ciclo de vida do cliente com seriedade estabilizam caixa e tornam mais previsível a geração de empregos. Não se trata de substituir sensibilidade por planilhas, mas de dar lastro técnico às percepções que a experiência acumulou. Dados não competem com a intuição: iluminam a parte do caminho que o faro não alcança.
David Borges
Diretor de Marketing e Comunicação da Acirp