Diário da Região
OLHAR 360

A banalização do domicílio eleitoral

Quando a política perde o vínculo com o território, o mandato deixa de ser um compromisso público e passa a ser um investimento pessoal

por Beto Braga
Publicado em 07/10/2025 às 22:38Atualizado há 15 horas
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Durante muito tempo, mudar o domicílio eleitoral era algo raro. Um gesto que exigia explicação, justificativa — e, principalmente, coerência com a trajetória de quem o fazia. Hoje, virou moda. Uma estratégia. Um truque dentro do jogo político.

Sempre defendi o voto distrital, porque ele aproxima o eleitor do eleito. Faz com que o representante conheça o bairro, a cidade, os problemas e as pessoas que o escolheram. É o

sistema que mais valoriza o vínculo real entre quem governa e quem é governado.

O contrário disso é o que estamos vendo agora: políticos que tratam o Brasil como um tabuleiro de War, trocando de Estado conforme a conveniência eleitoral. Lá atrás, quando José Sarney deixou o Maranhão e se elegeu senador pelo Amapá, isso causou estranhamento.

Hoje, seria apenas mais um caso na lista. Desde o bolsonarismo, essa prática se multiplicou. Os filhos do ex-presidente, todos com raízes no Rio de Janeiro, buscaram outros estados para disputar cargos. Uma manobra que não é apenas oportunista — é injusta.

Tira espaço de quem realmente vive e entende as dores e esperanças de cada lugar. O próprio governador de São Paulo chegou a cogitar ser senador por Goiás antes de “arrumar”

um domicílio eleitoral aqui. O ex-juiz Sérgio Moro e sua esposa também tentaram se registrar em São Paulo; apenas ela conseguiu. A cena virou tão comum que ninguém mais se espanta.

Mas deveríamos nos espantar, sim. Porque quando a política perde o vínculo com o território, o mandato deixa de ser um compromisso público e passa a ser um investimento pessoal.

O bolsonarismo levou essa lógica ao limite. Dentro desse método, que transforma o mapa eleitoral em um jogo de ocupação, o grupo político elegeu o único deputado federal de Rio Preto e, agora, tenta escalar alguém ainda mais afinado com a pauta extremista para amealhar os votos da nossa cidade.

Mas ter um endereço aqui não garante intimidade com os nossos problemas, nem compromisso com o que Rio Preto realmente precisa. É apenas oportunismo travestido de representatividade.

O resultado é simples: os estados acabam expropriados politicamente. São ocupados por figuras sem ligação verdadeira com a terra, nem com o povo que dizem representar.

Gente que não sabe o nome do córrego que transborda, que nunca pisou no bairro sem as câmeras por perto, que não tem lembranças de infância nem laços de trabalho ou estudo com o lugar que afirma defender.

Com as eleições se aproximando, é preciso redobrar a atenção. São Paulo — e o interior, especialmente cidades como Rio Preto — voltará a ser alvo de aventureiros eleitorais. Eles surgem sorrindo nas ruas, apertando mãos, tirando fotos, prometendo o que não conhecem e defendendo causas que não entendem. Passada a eleição, desaparecem como chegaram: de carro oficial e promessas na mala.

O eleitor precisa desconfiar dos rostos que só aparecem de quatro em quatro anos. É hora de votar em quem conhece o chão que pisa, em quem sabe onde fica a escola que precisa de reforma, o hospital que vive cheio e o bairro esquecido. Política deveria ser isso: proximidade, pertencimento e responsabilidade.

O Brasil, aliás, precisa de uma reforma política séria — voto distrital, fim do suplente de senador, proibição de deputados migrarem para cargos no Executivo, e o término da reeleição

com mandatos de cinco anos. Lembro que, no governo Temer, essa pauta chegou a ganhar força. Executivo e Legislativo brigaram para decidir se as mudanças viriam por plebiscito ou

referendo e criaram um grupo de trabalho para definir o caminho.

Dez anos depois, ninguém sabe o que o tal grupo concluiu. Talvez porque essas mudanças não interessem aos políticos. Rio Preto não precisa de figurantes nacionais. Precisa de representantes com raízes, com história, com compromisso. Quem não tem vínculo com o lugar não tem legitimidade para falar em nome dele. E quem não conhece o povo não tem direito de pedir o seu voto.​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​​