A conta (como sempre) empurrada para o contribuinte
Em pleno ano pré-eleitoral, o Congresso garantiu uma regra que obriga o governo a pagar 65% das emendas parlamentares já no primeiro semestre de 2026

O Congresso Nacional aprovou, apenas em dezembro, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que orientará o Orçamento de 2026. A demora, por si só, já evidencia o descompromisso com a própria Constituição. O texto constitucional estabelece que a LDO deve ser apreciada antes do recesso parlamentar do meio do ano.
Caso contrário, o recesso sequer poderia ocorrer. Não foi o que aconteceu. Os parlamentares simplesmente ignoraram a regra, entraram no chamado “recesso branco” e só retomaram o assunto agora, no final do ano.
Mas o atraso não foi o único problema. O conteúdo aprovado revela um jogo político de interesses muito bem calculado. Em pleno ano pré-eleitoral, o Congresso garantiu uma regra que obriga o governo a pagar 65% das emendas parlamentares já no primeiro semestre de 2026. Traduzindo para um português claro: dinheiro público chegando mais cedo aos redutos eleitorais justamente no período que antecede as eleições de outubro.
Obras, convênios, repasses e inaugurações tendem a se multiplicar no momento mais sensível do calendário político, o que prejudica a democracia, já que dá ainda mais vantagem no pleito eleitoral para aqueles que tem a máquina pública nas mãos.
Como se não bastasse, os próprios parlamentares também asseguraram um fundo eleitoral de aproximadamente R$ 5 bilhões, um valor absolutamente exorbitante diante da realidade fiscal do país. Enquanto o cidadão comum enfrenta serviços públicos precários, inflação persistente e impostos elevados (e aguardemos mais aumentos, pois as receitas foram superestimadas e as despesas subestimadas, ou seja, a conta não fecha), a máquina eleitoral receberá um dos maiores volumes de recursos públicos da história recente. A política, mais uma vez, se protege antes de proteger o Brasil.
Do lado do governo federal, a LDO também trouxe ganhos relevantes e questionáveis. A meta fiscal de 2026 prevê superávit, mas com uma cláusula de flexibilidade que permite ao Poder Executivo buscar apenas o piso da meta, e não mais o centro, como indicava a lógica de maior responsabilidade, inclusive reforçada pelo Tribunal de Contas da União.
Além disso, abriu-se espaço para uma manobra perigosa: até R$ 10 bilhões em despesas de estatais poderão ficar fora do cálculo da meta fiscal, facilitando novos aportes com dinheiro público em empresas que, muitas vezes, já apresentam histórico de má gestão ou aparelhamento político.
O discurso oficial fala em equilíbrio fiscal, responsabilidade e crescimento sustentável. Na prática, porém, o que se vê é um acordão: de um lado, o Congresso antecipa recursos para irrigar bases eleitorais e turbina o fundo de campanha; de outro, o governo ganha mais margem para gastar, flexibilizar metas e socorrer estatais. A conta, mais uma vez, fica para nós, contribuintes.
A LDO deveria ser um instrumento técnico de planejamento, capaz de impor limites, garantir transparência e orientar o uso responsável do dinheiro público. O que se aprovou, entretanto, foi um retrato claro de como o Orçamento brasileiro continua sendo usado como moeda de troca política. Regras constitucionais são relativizadas, metas fiscais são afrouxadas e o calendário eleitoral dita o ritmo dos gastos.
O resultado é conhecido: pressão sobre a dívida pública, juros elevados, investimentos retraídos e insegurança econômica. Enquanto isso, em Brasília, segue o teatro das negociações que pouco dialogam com a realidade de quem paga a conta. A LDO de 2026 nasce, assim, não apenas atrasada, mas marcada por escolhas que reforçam velhos vícios e empurram, mais uma vez, o futuro para depois das eleições.
Henry Atique
Advogado, professor, ex-presidente da OAB Rio Preto e conselheiro estadual da OAB/SP