A mãe de todas as reformas
Não se trata mais de perguntar se a reforma é necessária, mas se ainda teremos, no futuro, um país que acredita no próprio voto

O Brasil vive uma crise silenciosa de representação. Enquanto o debate público se concentra nas ações do Executivo, o Legislativo – responsável por criar leis e fiscalizar o governo – atua distante da sociedade, com baixa transparência e pouca responsabilização.
Esse cenário não é acidental: é o resultado de um modelo político esgotado, que fragmenta a representação e dilui o poder do voto. A reforma política deixou de ser um tema opcional; tornou-se condição de sobrevivência democrática.
O primeiro passo é adotar um sistema eleitoral que fortaleça o vínculo entre eleitor e parlamentar. O modelo proporcional atual permite que candidatos pouco votados sejam eleitos graças ao desempenho de seus partidos, enfraquecendo a legitimidade individual.
A adoção do voto distrital misto – já consolidado em países como Alemanha – permitiria que metade dos deputados fosse escolhida diretamente por distritos regionais e a outra metade por listas partidárias transparentes, aproximando o eleito de sua base e permitindo ao cidadão acompanhar resultados concretos.
Outro eixo essencial é a redução da fragmentação partidária. O Brasil possui um dos maiores números de partidos do mundo, muitos sem identidade ideológica ou compromisso programático. Embora a cláusula de barreira tenha sido um avanço, ainda não é suficiente para impedir a proliferação de legendas de aluguel.
É imprescindível vincular acesso a fundo eleitoral e tempo de TV à real representatividade nacional e à comprovação de democracia interna, fortalecendo siglas consistentes e reduzindo o oportunismo eleitoral.
Também é urgente restringir a troca de partidos por conveniência. A fidelidade partidária precisa ser respeitada de forma plena: quem muda de legenda deve perder o mandato e retornar ao julgamento das urnas. Mandato é instrumento coletivo, não bem pessoal.
Da mesma forma, parlamentares que aceitarem cargos no Executivo devem abrir mão de suas cadeiras no Legislativo, encerrando a prática de suplentes assumirem vagas sem votos e garantindo independência entre os Poderes.
Para fortalecer a coerência das decisões políticas, é necessária a unificação das eleições em um único pleito nacional. O sistema atual, com votações a cada dois anos, fragmenta o debate, eleva custos e paralisa gestões. Eleições gerais simultâneas permitem ao eleitor escolher projetos de país com clareza e alinhar a representação legislativa ao governo que deseja.
Além disso, é essencial implementar mecanismos de responsabilidade contínua, como o recall legislativo. Assim como o cidadão elege, deve ter o direito de revogar mandatos de parlamentares que descumpram compromissos ou se envolvam em corrupção.
Essa é a ferramenta que transforma o eleitor de espectador em protagonista. Essas medidas teriam aplicação imediata e automática nos estados e municípios, assegurando a uniformidade do sistema político em todo o território nacional.
Isso evitaria distorções regionais, eliminaria brechas jurídicas, garantindo que os mesmos princípios de transparência, responsabilidade e representatividade aplicados ao Congresso Nacional fossem igualmente exigidos das assembleias legislativas, câmaras municipais e demais instâncias locais.
A reforma deixaria, assim, de ser apenas um ajuste em Brasília para se tornar uma transformação estrutural da democracia brasileira. Reformar a política não é apenas ajustar regras técnicas; é redefinir a relação entre poder e cidadania.
Hoje, o eleitor vota, mas não governa. O Congresso legisla, mas não responde. Mantemos um sistema em que todos afirmam agir em nome do povo, enquanto o povo permanece afastado das decisões.
Não se trata mais de perguntar se a reforma é necessária, mas se ainda teremos, no futuro, um país que acredita no próprio voto. O tempo da reforma não é amanhã. É agora – antes que a apatia tome o lugar da democracia.
Beto Braga
É empresário