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A política em Madagascar

Com uma movimentada vida política, a principal produtora de baunilha do mundo passou novamente por um golpe 

por Andrew Okamura Lima
Publicado em 15/10/2025 às 22:15Atualizado há 19 horas
Andrew Okamura Lima (Andrew Okamura Lima)
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Na última segunda feira, 13, o presidente de Madagascar, Andry Rajoelina, fugiu de seu país. Segundo ele, a fuga foi para preservar a sua vida, após a elite das Forças Armadas se voltar contra o seu governo. Ele vinha enfrentando inúmeros problemas, que se agravaram nas últimas semanas, com uma série de protestos liderados pelos jovens autoproclamados “Geração Z de Madagascar”, que contaram com o apoio do Corpo de Administração de Pessoal e Serviços do Exército de Terra (Capsat), exigindo que o presidente renunciasse.

Essas manifestações ganharam força a partir de setembro, devido a uma série de interrupções no fornecimento de água e energia, o que levou os jovens a protestarem de uma maneira mais efusiva. Segundo dados da ONU, até o momento pelos menos 22 pessoas morreram.

No dia seguinte à fuga do presidente, o comandante da Capsat, coronel Michael Randrianirina, afirmou que respondeu aos apelos da população, mas negou que se tratasse de um golpe. Contudo, esta é a situação política mais grave no país desde 2009, quando o mesmo Rajoelina, com a ajuda do Capsat, implementou um golpe militar que derrubou o então presidente Marc Ravalomanana, eleito em 2018 e reeleito em 2023.

Apesar de negar um novo golpe, o comandante do Capsat, afirmou que os militares estavam tomando o poder e que formariam um conselho composto por militares e policiais, responsáveis pela futura nomeação de um primeiro-ministro, a fim de montar rapidamente um novo governo. Ainda segundo o comandante, a Constituição e os poderes do Tribunal Constitucional Supremo foram suspensos, sendo determinado um referendo em dois anos.

Madagascar possui um histórico político muito problemático, uma vez que foi dominado pelos franceses até 1960 e, a partir da década de 1970, passou por um governo ditatorial militar, com uma série de embates até o início dos anos de 1990. Após a promulgação da Constituição de 1992, o presidente eleito foi Albert Zafy, que acabou por sair do cargo em 1996, após inúmeros desrespeitos à Constituição.

Em 2001, após a tentativa de fraudar o processo eleito, o ex-presidente Ratsiraka fugiu do país, o que abriu a possibilidade para que o candidato oposicionista Marc Ravalomanana fosse eleito. Em 2009, em meio ao embate entre o então presidente Ravalomanana e Rajoelina, o exército novamente apoiou Rajoelina que derrubou o presidente.

Com uma movimentada vida política, a principal produtora de baunilha do mundo passou novamente por um golpe. Embora esse termo não seja utilizado, fica cada vez mais claro que houve uma nova manipulação das forças políticas pelas forças militares, que estão presentes em quase toda a história contemporânea da ilha de Madagascar.

Fica evidente que o processo democrático naquele lugar é situado apenas no discurso ideológico, pois, segundo o Our World in Data, Madagascar possui um nível médio para baixo nas liberdades democráticas. Com uma trajetória que é marcada por vários golpes militares, Madagascar ainda não teve uma democracia pujante.

Para nós, no caso específico de Madagascar, resta apenas a esperança de que o número de baixas entre os civis seja o menor possível e que, em um futuro não muito distante, esse país possa alcançar uma real tranquilidade política. Contudo, analisando seu histórico, é provável que o setor militar exerça uma nova influencia na política, tornando o país ainda mais instável.

Andrew Okamura Lima

Historiador e filósofo