Anistia e blindagem, a fórmula da impunidade
Perdoar quem tentou derrubar o Estado de Direito é abrir a porta para que o façam novamente. Blindagem política é o mesmo que carta branca para abusos

Quem ataca a democracia não merece perdão. A proposta de anistiar políticos e apoiadores envolvidos na tentativa de golpe de Estado veio embalada no discurso da “pacificação do país”. Mas pacificação não se constrói com esquecimento, e sim com justiça. A história mostra que toda vez que golpistas foram anistiados em nome da unidade nacional, o resultado foi o oposto: eles retornaram fortalecidos, confiantes de que poderiam repetir o ataque sem pagar o preço.
Perdoar quem tentou derrubar o Estado de Direito é abrir a porta para que o façam novamente. Blindagem política é o mesmo que carta branca para abusos. A chamada PEC da Blindagem (ou da Bandidagem) cria um mecanismo em que parlamentares só seriam punidos se a maioria de seus pares assim decidisse.
Na prática, o julgamento de condutas criminosas deixa de ser uma questão de lei e passa a ser uma decisão corporativista. A soma de anistia com blindagem resulta em impunidade. Essas duas medidas, combinadas, formam um pacto de autoproteção que rompe o princípio básico da democracia: a igualdade de todos perante a lei.
Se o cidadão comum responde por seus erros, por que políticos deveriam ter um salvo-conduto? A lógica da anistia e da blindagem não é proteger o país, mas interesses próprios, criando um sistema fechado e imune a qualquer responsabilização.
O Brasil já foi enganado antes por promessas de benefício coletivo. Quando liberaram a cobrança de bagagens em voos, disseram que as passagens ficariam mais baratas; na prática, ficaram mais caras. Quando privatizaram setores estratégicos como a energia, garantiram eficiência e redução de contas; o que se viu foi aumento de tarifas e serviços precários. Quando reformaram a legislação trabalhista, venderam a ideia de empregos em massa; o que cresceu foi a informalidade.
Agora, repetem a mesma retórica com novas máscaras: falam em paz e estabilidade, mas o que entregam é fragilidade democrática.
O povo brasileiro mostrou que não aceita retrocessos. As manifestações do último final de semana, em diversas cidades do país, foram a prova viva de que a sociedade está atenta. A pressão das ruas obrigou os articuladores da anistia e da blindagem a recuar. Essas ideias foram enterradas, ao menos por enquanto, não por generosidade política, mas pela força de uma cidadania que não aceita calada o desmonte da democracia.
Ainda assim, alguns políticos tentaram minimizar a força das ruas, dizendo que as mobilizações só tiveram adesão porque
contaram com artistas, músicos e personalidades. Esse discurso é mais uma tentativa de deslegitimar o protagonismo popular, como se a presença de figuras conhecidas fosse um truque, e não um reflexo da amplitude da indignação. Reduzir o peso das manifestações é uma forma de menosprezar a consciência política que cresce no país.
Democracia não se defende sozinha: precisa de vigilância. Se em reformas passadas o brasileiro viu seu bolso sangrar, agora o que está em jogo é mais profundo: a sobrevivência das regras do jogo democrático.
A anistia enfraquece a memória da sociedade; a blindagem corrói os mecanismos de punição. Juntas, elas formam o terreno fértil para a impunidade total. Reagir a esse movimento não é apenas questão de justiça, mas de sobrevivência política e institucional.
Quem tenta destruir o Estado não pode ser premiado. A democracia exige responsabilidade. Se anistia mais blindagem equivalem a impunidade, a única saída é manter a pressão popular e reafirmar que a lei deve valer para todos. O Brasil já pagou caro demais por acreditar em discursos que prometeram futuro melhor e entregaram retrocessos. Agora, o risco é ainda maior: não perder apenas direitos econômicos, mas o próprio direito de viver sob um regime democrático