Desonestidade intelectual, ideologia e omissão na segurança
Faltaram políticas integradas de inteligência, controle de armas e fronteiras, modernização das polícias e enfrentamento às facções

Os recentes episódios de violência envolvendo enfrentamentos entre forças policiais e facções criminosas no Rio de Janeiro, assim como em outras grandes cidades brasileiras, expuseram não apenas a gravidade da insegurança urbana, mas também a profunda desonestidade intelectual que contamina parte do debate público.
Muitas análises, claramente orientadas por viés ideológico, distorcem fatos, ignoram responsabilidades e instrumentalizam o sofrimento das pessoas para defender narrativas partidárias, especialmente no intuito de blindar governos, à esquerda e à direita, de críticas legítimas.
Um dos principais equívocos é o reducionismo monocausal, que insiste em explicar toda a violência que estamos vivenciando como consequência exclusiva da “repressão policial” ou de fatores como “exclusão social” e “racismo estrutural”, negando a agenda criminosa de organizações que há décadas dominam territórios, impõem leis paralelas, recrutam adolescentes e cometem sequestros, torturas e assassinatos.
Essa visão deliberadamente exclui aspectos importantes do debate e omite o fato que nossos governantes (em todas as esferas) histórica e sistematicamente negligenciaram a segurança pública.
Faltaram políticas integradas de inteligência, controle de armas e fronteiras, modernização das polícias e enfrentamento estratégico às facções. Preferiu-se o silêncio cômodo à ação incômoda, a conivência e aliança ideológica à verdade, sob o pretexto de que “a pobreza é a raiz da violência”, como se os pobres fossem apenas vítimas passivas, nunca e principalmente sujeitos oprimidos também pelo crime organizado.
Essa postura ideológica serve claramente aos seguintes propósitos: minimizar as omissões de nossos governantes e esconder a escalada da participação das organizações criminosas em todas as esferas de poder de nosso país (principalmente político e econômico). Ao transformar policiais em únicos vilões e criminosos em “produtos do sistema”, evita-se confrontar o legado de inação de governos que, com amplo apoio popular, poderiam ter feito mais e não fizeram.
A desonestidade também se manifesta pelo uso frequente de falsas dicotomias: ou se está “ao lado da polícia” ou “ao lado do povo”. Essa armadilha retórica impede análises matizadas. É possível, e necessário, condenar abusos policiais sem romantizar o crime; denunciar o racismo institucional sem negar que facções matam mais negros do que qualquer outro grupo; exigir responsabilização estatal sem ignorar a responsabilidade política de quem governou e governa com promessas vazias.
Há ainda o uso seletivo de dados. Cita-se, por exemplo, o número de mortos em operações policiais, mas omitem-se estatísticas sobre homicídios praticados por grupos criminosos, extorsões, desaparecimentos forçados e o colapso da vida cotidiana em comunidades sob domínio ilegal. Esse viés confirmatório serve a um propósito claro: blindar governos de críticas legítimas. Afinal, se a violência for vista apenas como fruto da ação policial, jamais será atribuída à falha de governos que, por anos, negligenciaram a segurança como pilar do direito à cidade.
A verdadeira ética pública exige enfrentar a violência em todas as suas dimensões, sem cortinas de fumaça ideológicas ou promessas eleitoreiras. Enquanto nossos governantes e seus fanáticos e escroques seguidores (inclusive da imprensa) insistir em lavar as mãos ou se aliar ao crime, a sociedade continuará sendo palco de um abandono múltiplo: do crime, do Estado e, agora, também da honestidade intelectual.
Marco Feitosa
Advogado e coordenador do Estado de São Paulo do Movimento Livres