Estado para o povo, não para a elite
Ser ético não é um slogan. É uma escolha diária que começa com a coragem de enfrentar o que está errado

Um país verdadeiramente republicano não é aquele que apenas ostenta a palavra no nome, mas sim aquele que coloca o bem comum acima de interesses particulares. Isso exige um compromisso inabalável com a responsabilidade, a transparência e a ética, valores fundamentais na gestão do dinheiro público, que não é uma caixa de recursos estatais, mas sim o fruto do trabalho, da esperança e do sacrifício de milhões de brasileiros.
No Brasil, esse ideal está longe de ser realidade. No alto escalão da administração pública, uma elite funcionalista, desconectada da realidade cotidiana da população, tem se movido em círculos fechados, onde benefícios são ampliados por mecanismos corporativos, reajustes autoconcedidos e vantagens criadas sem escrutínio. A consequência? Uma erosão silenciosa da confiança nas instituições, alimentada por práticas que priorizam o interesse interno sobre o interesse coletivo.
Não se trata de negar a importância de remuneração justa. O debate não é contra salário digno, mas contra a desigualdade absurda, contra os supersalários, contra os penduricalhos legais que transformam cargos públicos em fontes de lucro privado.
Esses fenômenos não surgem por acidente, são produtos de um modelo de Estado patrimonialista, onde o poder se torna propriedade e as decisões orçamentárias são tomadas com base em pressões internas, não em necessidades sociais.
É nesse cenário que o Índice de Disparidade Salarial (IDS), desenvolvido pela organização liberal Livres (www.eusoulivres.org), ganha sentido profundo.
Com base em dados empíricos, metodologia rigorosa e comparações internacionais, o estudo (https://static.poder360.com.br/2025/08/indice-disparidade-salarial-2025-livres.pdf) revela uma verdade incômoda: a elite pública brasileira é, em média, remunerada de forma desproporcionalmente superior à maioria da população e muito além dos padrões observados em países democráticos consolidados.
Enquanto na Suécia, Alemanha ou Canadá existem limites claros, regras transparentes e controle independente sobre aumentos salariais dos altos funcionários públicos, no Brasil prevalece o absurdo de que quem decide o aumento é quem o recebe. Sem vinculação à produtividade, ao desempenho institucional, à responsabilidade fiscal ou ao contexto social. Esse sistema não é apenas injusto — é um convite à corrupção estrutural, à perda de legitimidade e ao enfraquecimento da democracia.
O que estamos vivenciando não é um caso isolado de má gestão, mas um sintoma de um problema sistêmico: a construção de instituições extrativistas, que extraem valor da sociedade para beneficiar poucos. Um Estado assim não constrói prosperidade; ele a distorce. Não fortalece a cidadania; ele a submete. Não promove igualdade; ele aumenta desigualdade.
Reformar o Estado é questão de sobrevivência democrática. É necessário reconstruir a relação entre governantes e governados, tornando as instituições mais acessíveis, mais eficientes, mais responsáveis. E isso começa com o olhar: medir, comparar, expor. O IDS não é apenas um diagnóstico, é um chamado à ação.
Necessitamos de mudanças. Para um Estado que atua com humildade, que respeita o contribuinte, que entregue serviços de qualidade e que pague seus servidores com justiça, mas nunca com excesso. Para um país onde o poder serve ao povo, e não o contrário.
Ser ético não é um slogan. É uma escolha diária que começa com a coragem de enfrentar o que está errado. Porque só assim o Brasil deixará de ser um país de desigualdades estruturais e se tornar um exemplo de governança ética, eficiente e verdadeiramente democrática.
Marco Feitosa
Advogado e coordenador do Estado de São Paulo do Movimento Livres