Justiça fiscal ou subjugação estatal?
Para Mises, a tributação excessiva transforma o cidadão em súdito: sua vida econômica passa a depender da vontade do burocrata, não de suas próprias escolhas

Em um país polarizado como o nosso, o senso comum incute no cidadão o pensamento de que governos de esquerda tendem a aumentar impostos enquanto governos de direita buscam maior eficiência dos gastos públicos e proteção ao bolso do contribuinte.
Porém essa dicotomia se mostra distante da realidade.
Muitos prefeitos, governadores e presidentes que se dizem defensores do mercado e de direta agem conforme uma ideologia estatista, caracterizada pela centralização do poder político e econômico nas mãos do governo, frequentemente manifestada pela prática de atos de crescente expansão da carga tributária (vide os idênticos esforços dos governos Lula e de nosso prefeito Fabio Cândido para aumentar impostos).
Embora esses governantes justifiquem os aumentos de impostos em nome da “justiça tributária” ou do financiamento de políticas sociais, na verdade esses atos ultrapassam o limite da redistribuição legítima e convertem-se em um mecanismo de subjugação da população aos desígnios de seus governos.
O conceito de justiça tributária tem raízes antigas. Adam Smith, em A Riqueza das Nações (1776), bem reconhece que: “Os cidadãos de toda sociedade devem contribuir para o sustento do governo na medida de sua capacidade, isto é, na proporção da renda que derivam da proteção do Estado” (SMITH, A Riqueza das Nações, Livro V, Cap. II). Smith defendia equidade, mas também simplicidade, certeza e eficiência — princípios ignorados por nossos governantes, que multiplicam impostos de forma opaca e arbitrária.
Já no século XX, o economista austríaco Ludwig von Mises, ferrenho crítico do estatismo, advertiu que “quando o Estado se torna o árbitro absoluto da renda dos cidadãos, a liberdade econômica desaparece e, com ela, a liberdade política” (Human Action, 1949, Cap. XXVII). Para Mises, a tributação excessiva transforma o cidadão em súdito: sua vida econômica passa a depender da vontade do burocrata, não de suas próprias escolhas.
Essa visão é reforçada por Frédéric Bastiat, que escreveu em A Lei (1850): “O Estado é a grande ficção por meio da qual todos procuram viver às custas de todos os outros”. Bastiat via com desconfiança a expansão do poder estatal sob o pretexto de justiça social, pois isso inevitavelmente leva à “legalização da pilhagem”, ou seja, ao uso da lei para transferir renda de uns para outros, minando a propriedade individual e a responsabilidade pessoal.
Mesmo autores que defendem um Estado ativo na redistribuição, como John Rawls, (Uma Teoria da Justiça (1971), §13), reconhecem a necessidade de limites à tributação, de forma a não violar direitos básicos em nome da igualdade. Isso porquê quando o estatismo abandona esses limites e passa a tratar o cidadão não como titular de direitos, mas como fonte de receita, inverte-se a lógica da própria razão de existência estatal.
Na prática, essa cultura de aumento de impostos, muitas vezes sem transparência sobre sua aplicação e eficiência, revela uma lógica estatista perigosa: o Estado deixa de ser um instrumento a serviço da sociedade e passa a exigir obediência incondicional. Como alertou Alexis de Tocqueville em A Democracia na América (1835), “o Estado pode desejar o bem do povo, mas deseja também que o povo seja fraco, para que não lhe escape das mãos”.
Por isso, enquanto a justiça tributária pode ser um ideal legítimo, sua instrumentalização por governos estatistas tende a transformar o fisco em ferramenta de dominação, pois não se tributa para proteger direitos mas sim para ampliar o controle estatal. Quando isso acontece, a liberdade cede lugar à subjugação.
Marco Feitosa
Advogado e coordenador do Estado de São Paulo do Movimento Livres