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Na defesa de quem não matou Odete Roitman

Há culpas que, de tão populares,  chegam a parecer honrarias

por Fernando Fukassawa
Publicado em 13/10/2025 às 21:00Atualizado há 10 horas
Fernando Fukassawa (DIARIO)
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Tenho que contar isto antes que termine a novela a que não assisto. Ontem fui procurado por uma pessoa que, segundo ela mesma, estaria sendo injustamente apontada como assassina de Odete Roitman no dia 6. Queria contratar previamente os meus trabalhos para se acautelar em face das suspeitas que lhe fez recair grande parte da população brasileira - uma espécie de seguro contra o inquérito. Por enquanto, a polícia somente desconfia de seu envolvimento.

Pessoa que procura advogado antes de ser enquadrado na lei pela Polícia, é sinal que pode existir alguns indícios sérios de seu envolvimento no crime, como alguém que procura médico antes de adoecer, que pode ser excesso de zelo e também sintoma. Negou o crime, e adiantou que a defesa poderia ser feita sem maior dificuldade porque tinha um sólido álibi, que aqui não pode ser revelado.

Ademais, por inabilidade, não saberia nem segurar uma arma, menos ainda utilizá-la para matar alguém. Sua única lembrança que tinha de tiros vinha da infância, quando via meninos com pistolas de brinquedo que soltavam cheiro de pólvora junto com um estalo inofensivo. Se tentasse matar uma pessoa à queima-roupa, seria mais provável que atingisse a si mesma, ou a parte mais alta do poste mais próximo.

Isso me trouxe à mente um fato histórico. Lee Oswald foi acusado de matar o presidente americano John Kennedy que desfilava em carro aberto em Dallas, mediante tiros com um rifle Mannlicher Carcano de 6,5mm, disparados do sexto andar de um depósito de livros, e a distância entre eles era cerca de oitenta metros. Mas a investigação apurou que quando o assassino fora fuzileiro naval era um péssimo atirador porque nunca conseguia acertar nem a saia do disco alvo, e muito menos as zonas concêntricas de pontuação. Talvez por isso, até hoje, haja quem duvide da história oficial.

No caso de Odete, há suspeitos para todos os gostos e motivações. Uns se apressam em procurar advogado, outros esperam o próximo capítulo. Afinal, o inquérito policial nem começou direito e é bem provável que leve um bom tempo para colher todas as provas periciais e testemunhais que possam conduzir à autoria do crime e seus detalhes. Até ouvir todas as pessoas... muito tempo.

Recordei então de um episódio dos meus tempos de estagiário e estudante de direito. Na ausência do advogado, atendi uma pessoa muito simples, e queria saber quanto custaria a defesa em caso de homicídio – e se o pagamento poderia ser parcelado. Antes, para um avaliação inicial da questão, pedi que me contasse o ocorrido. Ele, hesitante, calado, e quis eu tentar compreender que a dificuldade do homem estava na sua própria parvoíce.

Conseguiu balbuciar algumas palavras que pareciam ser de referências ruins do inimigo, sugerindo vagamente que tivesse cometido sob alguma justificativa. Pedi que me dissesse sobre os momentos precedentes ao crime, mas... nada. Após alguns minutos desse monólogo a dois, o interpelei dizendo que até o momento não dissera como matou a pessoa... e emendei: “Até agora o senhor não matou ninguém”! E respondeu ele: "É verdade, não matei”.

Por uma questão orçamentária e necessidades da família que se viraria sem o seu arrimo, o previdente homem queria saber o quanto teria que gastar... antes mesmo do homicídio que desejava cometer. Em caso como esse, de extrema gravidade e severas consequências, os honorários do advogado são muito caros. Repensou e achou que financeiramente o crime projetado não compensava, pelo menos por aqueles dias.

Por isso, acho mesmo que a pessoa que me procurou ontem, tampouco assassinou Odete Roitman. Mas que no fundo de sua alma secretamente guarde o desejo de tê-lo feito. E quem sabe, não lhe bastasse a glória de ser apontada como autora de um crime que o país inteiro gostaria de cometer. Afinal, há culpas que, de tão populares, chegam a parecer honrarias.