O anticulturismo do fascismo e seus ecos
Para regimes autoritários, a cultura só é aceitável quando controlada, domesticada e transformada em propaganda

A cultura é, por definição, plural. Ela se alimenta da diversidade, da criatividade e da crítica, refletindo os múltiplos olhares de uma sociedade sobre si mesma. O fascismo, porém, historicamente se coloca como inimigo desse dinamismo. Para regimes autoritários, a cultura só é aceitável quando controlada, domesticada e transformada em propaganda. Essa lógica, presente no fascismo europeu do século XX, encontra paralelos evidentes no bolsonarismo contemporâneo no Brasil.
No caso de Mussolini e Hitler, a cultura foi instrumentalizada como ferramenta de legitimação política. Artistas considerados “degenerados” foram perseguidos, livros críticos ao regime foram queimados em praças públicas e expressões culturais divergentes foram censuradas.
Valorizava-se apenas a cultura oficial, subordinada ao Estado e ao culto à figura do líder. O fascismo, assim, substituiu o livre pensamento pela obediência, transformando arte em propaganda.
No Brasil recente, o bolsonarismo reproduziu esses elementos anticulturais. A hostilidade a artistas, universidades e intelectuais foi recorrente. Museus, editais de cinema e produções artísticas foram atacados sob o pretexto de “defesa da moral” ou de combate à “doutrinação ideológica”. A cultura, em vez de reconhecida como espaço de diversidade e reflexão, foi retratada como ameaça aos valores “tradicionais”.
Há pontos de convergência claros entre os dois. O primeiro é a tentativa de homogeneização cultural. Fascistas exaltavam uma identidade nacional pura, sem espaço para o diferente; bolsonaristas atacaram manifestações culturais ligadas a minorias, como povos indígenas, comunidade LGBTQIA+ e artistas progressistas, reforçando a visão de um Brasil único, cristão e conservador. Outro ponto é a perseguição ao pensamento crítico.
Tanto o fascismo quanto o bolsonarismo desqualificam a figura do intelectual. Por fim, ambos transformam símbolos nacionais em ferramentas de exclusão: no fascismo, a bandeira e a saudação; no bolsonarismo, a camisa da seleção e o hino nacional, ressignificados como marcas de pertencimento político.
O resultado é um ambiente hostil à produção cultural autônoma. No lugar de incentivo à arte, cria-se um cenário de intimidação, em que artistas são atacados nas redes sociais ou acusados de “inimigos da pátria”. Em comum, fascismo e bolsonarismo compartilham a ideia de que a cultura, se não estiver alinhada ao projeto ideológico, deve ser silenciada.
Em Rio Preto não é diferente. A cidade já viveu um sopro de cultura de alto padrão com o FIT (Festival Internacional de Teatro), em parceria com o Sesc. Foram dias de efervescência artística: diretores, atores e grupos de vanguarda ocuparam teatros e espaços de convivência, proporcionando contato direto com a produção cultural mais inovadora do país e do mundo.
Hoje, no entanto, a cartilha do bolsonarismo parece ter se transformado em política cultural municipal. Em gestões anteriores, a prefeitura não apoiava a realização de eventos, mas oferecia suporte básico, como a limpeza das áreas após os espetáculos.
Agora, a sinalização é clara: cultura deixou de ser prioridade. Afinal, uma sociedade com indivíduos críticos, capazes de abstração e de questionar a realidade incomoda quem apoia projetos autoritários.
Mas a cultura, por sua natureza, resiste. Foi assim na Europa dos anos 1930 e foi assim no Brasil recente. O ataque à diversidade cultural, longe de destruir a criatividade, apenas expôs a fragilidade de projetos autoritários diante da força simbólica da arte e da pluralidade social.
O fascismo tentou sufocá-la e fracassou; o bolsonarismo buscou desacreditá-la e encontrou resistência em artistas, intelectuais e instituições que, com suas vozes, lembraram ao país que a cultura não é inimiga, mas espelho e força vital da democracia.
Beto Braga
É empresário