O governo Milei
Medidas de austeridade conseguiram reduzir a persistente inflação, melhorando o cenário econômico, porém, as mesmas medidas provocaram um colapso de uma parcela da população

“Hoje começa uma nova era na Argentina. Hoje damos por terminada uma longa e triste história de decadência e começamos a caminhada para a reconstrução do nosso país. Os argentinos de forma contundente demonstraram uma vontade que não tem mais retorno (...) Hoje enterramos décadas de fracasso e disputas sem sentido.”
Esse foi o discurso de posse na presidência de Javier Milei, em 10 de dezembro de 2023. Um pouco antes, o atual presidente surpreendeu os analistas políticos e derrotou o candidato peronista Sérgio Massa. Com um discurso caricatural e disruptivo, ele se autodefiniu como um libertário, que iria acabar com a “casta” política e passar, literalmente, uma motosserra nas contas públicas.
Nos meses que se seguiram, uma “enorme” euforia tomou conta do mercado financeiro. Com uma política de ajustes fiscais severos nas contas públicas, Milei promoveu inúmeras reduções nos processos licitatórios de obras públicas; acabou com os subsídios das tarifas de energia e transporte; além de realizar uma política de desvalorização do peso frente ao dólar norte-americano. Ainda na esteira das mudanças econômicas, empreendeu a revogação da lei do aluguel; transformou as empresas públicas em sociedades anônimas, a fim de prepará-las para uma posterior privatização; realizou a reforma trabalhista, limitando o direito à greve, aumentando o período de experiência e reduzindo as indenizações trabalhistas em caso de demissão sem justa causa.
Contudo, apesar dessa série de reformas, já no início de 2024, enfrentou suas primeiras derrotas no congresso. Na tentativa de aprovar a “Lei Omnibus” – um grande pacote de mudanças econômicas – viu a Câmara alterar a sistemática de votos, analisando cada artigo de forma individual, o que inviabilizou, na prática, o pacote.
Com o passar do tempo, uma situação dúbia se formou na Argentina. As medidas de austeridade conseguiram reduzir a persistente inflação, melhorando o cenário econômico, porém, as mesmas medidas provocaram um colapso de uma parcela da população, notadamente os funcionários públicos, os aposentados e a população de baixa renda.
Essa tensão foi piorada por alguns escândalos da sua gestão, entre eles o “criptogate”, quando Milei fez uma postagem para alavancar uma criptomoeda, levando milhares de investidores a comprarem tal cripto. Contudo, em poucas horas o valor da mesma cripto despencou, levando esses investidores a perderem todo o dinheiro. Após muito trabalho para conter a fúria dos investidores, o governo portenho deixou o assunto esfriar.
A piora da popularidade do presidente argentino foi agravada nas últimas semanas, principalmente, após a derrota na província de Buenos Aires, nas eleições do início desse mês. Somado a isso, o vazamento de áudios implicando Karina Milei – irmã e principal articuladora de Javier – em um processo de recebimento de suborno sobre o pagamento de remédios a pessoas com incapacidade.
Esse recente episódio ajudou a minar a já fragilizada popularidade de Javier Milei, que cada vez mais acumula derrotas no congresso argentino. Essas várias derrotas parlamentares fizeram com que o risco país voltasse a aumentar em 829 pontos básicos. O aumento desse risco faz com que o governo argentino tenha dificuldades para conseguir levantar capital no mercado internacional, para a quitação das parcelas dos empréstimos com o FMI no próximo ano.
Milei foi eleito para “combater” a casta política tradicional, que segundo ele, levou a Argentina para um período de caos econômico e político. Contudo, os últimos eventos colocam o atual mandatário em uma situação delicada, pois o crescimento de seu partido foi paralisado, assim como a sua popularidade, principalmente com os setores menos favorecidos da sociedade. Se Milei pretende concorrer a reeleição, ainda não está claro, mas qualquer que seja a sua intenção política, o desgaste de sua imagem e popularidade é notório.
Andrew Okamura Lima
Historiador e filósofo