Diário da Região
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Quando a culpa não é só do Executivo

O presidencialismo de coalizão se transformou em um sistema que muitas vezes confunde negociação legítima com acomodação de interesses.

por Beto Braga
Publicado em 04/11/2025 às 22:54Atualizado em 05/11/2025 às 09:32
Beto Braga (Beto Braga)
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Lembro bem da minha primeira experiência trabalhando no governo federal, logo depois da promulgação da Constituição de 1988. O país vivia uma mistura de euforia e expectativa: finalmente teríamos um governo eleito de forma democrática, após duas décadas de regime militar.

Mas uma coisa, em particular, me marcou. Era a postura dos membros do Legislativo, sempre muito cautelosa, quase submissa. Hoje entendo que aquilo era um resquício da ditadura militar, um período em que o Congresso se acostumou a apenas referendar decisões vindas do alto, aceitando as “migalhas” de poder que lhe eram concedidas.

Tudo isso começou a mudar com o impeachment do presidente Collor. O Parlamento experimentou, talvez pela primeira vez, o peso real das prerrogativas que a Constituição de 88 havia lhe garantido.

O jogo político nunca mais foi o mesmo. O fato é que o chamado presidencialismo de coalizão, conceito que traduz a forma particular de funcionamento da política brasileira após a Constituição de 88, onde mesmo sendo um regime presidencialista, a fragmentação partidária e o sistema proporcional obrigam o presidente a negociar constantemente com o Congresso para garantir maioria, cria um ciclo permanente de barganhas e distribuição de cargos e recursos em troca de apoio. Algo mais próximo de um parlamentarismo informal do que de um presidencialismo clássico.

Esse equilíbrio menos rígido entre os poderes se estendeu a estados e municípios: governadores e prefeitos também passaram a depender de amplas alianças para governar. O problema é que se institucionalizou o toma-lá-dá-cá, enfraquecendo partidos, diluindo projetos de longo prazo e tornando a política refém de trocas imediatistas. Assim, o presidencialismo de coalizão, que nasceu como solução para garantir estabilidade democrática, se transformou em um sistema que muitas vezes confunde negociação legítima com acomodação de interesses.

Por exemplo, quando um vereador dedica mais tempo a criticar o governo federal por motivações ideológicas do que a fiscalizar o Executivo local, ele abandona sua função essencial. O cidadão precisa compreender que esse comportamento revela desvio de foco e descumprimento das obrigações constitucionais do cargo, enfraquecendo a democracia e prejudicando diretamente a vida da comunidade que o elegeu.

O vereador é o representante mais próximo da população. É ele quem vive na mesma cidade, enfrenta os mesmos problemas de transporte, saúde, educação e infraestrutura. No entanto muitos vereadores têm preferido concentrar seus discursos no governo federal, comentando decisões de Brasília como se esse fosse seu principal papel. Essa postura não é apenas um equívoco institucional, é uma forma de desviar a atenção da população para esconder a própria ineficiência.

A polarização entre esquerda e direita tem alimentado a proliferação de discursos inflamados e simplificações perigosas, que desviam o foco do que realmente importa: saúde, educação, infraestrutura, transparência, fiscalização. Enquanto a atenção do público se volta para as brigas ideológicas, o dever constitucional de acompanhar as contas públicas e cobrar resultados do Executivo fica em segundo plano. As funções constitucionais são substituídas por narrativas partidárias que rendem likes, mas não entregam soluções. E apenas serve para mascarar a inação de quem deveria representá-la.

Mais do que cobrar o presidente, o governador ou o prefeito, é fundamental que o eleitor entenda o papel e o peso político dos vereadores, deputados estaduais, federais e senadores. São eles que criam leis, controlam orçamentos e fiscalizam o uso do dinheiro público. Ignorar isso tem custado caro ao país. A confusão entre as atribuições de cada poder gera impunidade e desperdício, perpetuando um ciclo de ineficiência que trava o desenvolvimento nacional. O Brasil só avançará quando o voto se tornar um gesto de consciência.

Beto Braga

É empresário