Ração cara, educação e baratas vingativas
Zoológicos mostram que sua sobrevivência financeira exige tanto improviso quanto a própria vida selvagem que abrigam

Deve ser caro para um zoológico conservar animais em espaços que podem ser bem planejados, mas não replicam a complexidade de seus habitats naturais. E pelo anteprojeto de reforma do nosso código civil (art. 91-A), animais são seres sencientes, ou seja, dotados de sensibilidade, o que bastaria para se sentirem aprisionados, e com isso o sofrimento. Nos primórdios da civilização, animais em cativeiro serviam somente para entretenimento de reis e nobres, e hoje poderia ser pensado o que a sociedade ganharia em troca.
A alimentação deles consome boa parte do dinheiro, o que não era problema para o tirano Bokassa, da República Centro-Africana, que possuía um zoológico particular e como solução pragmática engordava os crocodilos com os corpos de seus inimigos. Para enfrentar o desafio financeiro destes tempos, diferentes soluções vêm sendo testadas no Brasil e no exterior.
No Espírito Santo, o programa Guardião de Fauna procura lares para aves e répteis que não podem retornar à natureza e estão disponíveis para adoção, como periquitos, gaviões e tartarugas. No Rio Grande do Sul, zoológicos convidam voluntários a acolher animais apreendidos em operações contra o tráfico. Já em Rio Preto, um episódio recente revelou os riscos da convivência com animais selvagens: uma onça, vinda de um cativeiro no Pará e abrigada no Zoobotânico, atacou uma funcionária, que sofreu ferimentos no braço e na mão e precisou de cirurgia.
Diante de tanto esforço e gasto, pergunta-se: para que servem os zoológicos? Como espaço educacional, sua utilidade poderia ser questionada. Aparentemente poucas crianças saem dali sabendo algo sobre ecossistemas ou biodiversidade, o que pode reforçar a antiga ideia de que os animais existem somente para diversão humana, reduzida a rir das caretas dos macacos, jogar pipoca para as araras ou descobrir que o rei da selva passa 20 horas por dia em sono profundo, indiferente às visitas.
Um teatro pedagógico em que os animais impassíveis fazem figuração e os espectadores fingem que estão aprendendo algo. Em grande medida, o conhecimento sobre animais e vida selvagem pode ser alcançado em fartos documentários de boa qualidade. Talvez seja mais confortável acreditar que a excursão escolar teve “conteúdo”, para colecionar fotos digitais e comprar um picolé na saída. Zoológicos, até para romper o tabu de serem meras vitrines de animais, têm mérito porque funcionam, de fato, como refúgios de conservação, reprodução, pesquisa e educação ambiental, garantindo que certas espécies não desapareçam por completo. O problema é vender essa função como espetáculo educativo.
Enquanto aqui se busca aliviar custos por meio da adoção, a Dinamarca optou por caminho diverso. O Zoológico de Aalborg lançou um chamamento público para que donos de animais de estimação indesejados lhe sejam doados. Cães, gatos, coelhos, porquinhos-da-índia são aceitos de bom grado: passam por eutanásia conduzida por equipe técnica e viram alimento para predadores. “Nada se desperdiça, preserva-se o comportamento natural e o bem-estar dos carnívoros”, avisa. Até cavalo pode ser doado e seu dono beneficiado com dedução fiscal de cinco coroas dinamarquesas (menos de cinco reais) por quilo de carne. Uma promoção irresistível: transforme seu animal em desconto no imposto de renda.
Já no Canadá, a inventividade foi para outro lado: O Toronto Zoo Wildlife Conservancy criou, próximo ao Dia dos Namorados, uma forma de arrecadação que une finanças e catarse emocional: por cerca de oitenta reais, qualquer pessoa pode se vingar batizando uma baratona com o nome de um ex-parceiro. O programa foi replicado pelo Bronx Zoo, nos Estados Unidos. Certificado digital prova oficialmente que uma nojenta e feiosa barata gigante de Madagascar agora carrega o nome de quem lhe partiu o coração.
Entre custos, criatividade e ironia, os zoológicos mostram que, no fundo, sua sobrevivência financeira exige tanto improviso quanto a própria vida selvagem que abrigam – enquanto a utilidade educativa, que deveria justificá-los, segue tão adormecida quanto os leões em suas jaulas.