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Sobre anistia

A anistia é uma figura absolutamente legítima do ordenamento jurídico brasileiro e que, quando usada de maneira responsável e justa, pode contribuir para a reconciliação nacional

por Henry Atique
Publicado em 12/09/2025 às 22:23Atualizado em 13/09/2025 às 09:16
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Nos últimos tempos, muito se tem falado sobre a possibilidade de o Congresso Nacional discutir uma lei de anistia, especialmente em razão dos julgamentos recentes no Supremo Tribunal Federal, notadamente a condenação nesta semana do ex-Presidente Jair Bolsonaro. Mas, afinal, o que é tecnicamente a anistia, quando ela pode ser concedida e quais são os seus limites constitucionais?

A anistia é um instrumento jurídico-político, previsto na Constituição Federal, que permite ao Estado perdoar determinadas condutas ilícitas, geralmente marcadas por forte carga política ou social. Diferencia-se da graça ou do indulto — que são perdões concedidos pelo Presidente da República e aplicados a pessoas determinadas — porque tem caráter geral e abstrato, é aprovada pelo Congresso Nacional e válida para um grupo maior de pessoas. Por essa razão, ela é considerada uma decisão de natureza coletiva, com profundo impacto institucional.

É importante relembrar que, em um Estado Democrático de Direito, como anunciado em nossa Constituição Federal no parágrafo único, de seu artigo 1º, todo o poder emana do povo, que o exerce eventualmente de forma direta, mas notadamente de forma indireta, por meio de representantes eleitos. Ou seja, os mandatários possuem procuração do povo para em seu nome atuar, sempre em respeito ao sistema jurídico, é claro.

Voltando, segundo o artigo 48 da Constituição, compete exclusivamente ao Congresso Nacional deliberar sobre a concessão de anistia, por meio de lei ordinária. Ou seja, qualquer parlamentar, o Presidente da República ou até o cidadão pode propor um projeto de anistia, cuja decisão é do Legislativo, cabendo ao Presidente sancionar ou vetar a lei. O Judiciário, por sua vez, não concede anistia, mas pode exercer o controle de constitucionalidade sobre a norma aprovada, avaliando se ela respeita ou não os limites constitucionais.

O Brasil já conheceu anistias emblemáticas. A mais famosa foi a Lei da Anistia de 1979, que permitiu o retorno de exilados políticos e a libertação de presos durante a ditadura militar. Ela também, contudo, beneficiou agentes estatais acusados de violações de direitos humanos, o que gera até hoje debates intensos na sociedade e na academia. Em 2010, o STF confirmou sua validade, mas organismos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, criticaram a amplitude dessa anistia.

A anistia é um instrumento reconhecido pela Constituição, assim como os limites para sua aplicação são claros. O artigo 5º, inciso XLIII, veda anistia, graça e indulto para crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo e crimes hediondos. Ou seja, não é juridicamente possível aprovar uma lei que perdoe tais condutas, sob pena de inconstitucionalidade. Por outro lado, isso significa que, em não se tratando destes casos, é juridicamente possível a concessão da anistia.

O debate atual em torno de eventual anistia exige, portanto, cautela e responsabilidade institucional. Cabe ao Congresso, dentro dos limites constitucionais e atento às obrigações internacionais do Brasil, avaliar se é cabível ou não conceder esse perdão coletivo. Ao cidadão, compete acompanhar de perto, cobrar transparência no processo e exigir coerência com os valores democráticos que sustentam a República.

Em síntese, a anistia é uma figura absolutamente legítima do ordenamento jurídico brasileiro e que, quando usada de maneira responsável e justa, pode contribuir para a reconciliação nacional. Este debate será, portanto, mais um teste da maturidade democrática de nosso país.

Henry Atique

Advogado, professor, ex-presidente da OAB Rio Preto e Conselheiro Estadual da OAB/SP

henryatique@atiquemello.adv.br