O contrato de todos nós
Políticos, advogados, sociólogos, líderes religiosos, artistas se reuniram em busca de um consenso que refletisse a pluralidade da sociedade brasileira

No último domingo foi aniversário da nossa Constituição Federal, 37 anos do nosso pilar fundamental. Mas, afinal, o que é uma Constituição? Em sua essência, a Carta Magna é o documento que organiza o Estado, define os direitos e deveres dos cidadãos e estabelece os limites do poder público. Ela também reflete os valores e aspirações de uma nação. Em resumo, é um acordo de convivência que estabelece as regras do jogo.
Esse “acordo” é formalizado pelo chamado poder constituinte originário, ou seja, o poder de criar uma nova ordem constitucional, que não se submete a normas anteriores (em tese, qualquer regra pode ser colocada em uma nova constituição). No nosso caso, no contexto da redemocratização, entre 1987 e 1988, uma Assembleia Constituinte foi o cenário onde representantes de diversos segmentos da sociedade se reuniram para traçar um novo caminho após um longo período de ditadura militar. Era um momento de transformação, onde se discutia não apenas a forma de governo, mas os direitos sociais, a liberdade de expressão, a inclusão de minorias, o fortalecimento das instituições.
Os trabalhos foram intensos, os debates acalorados. Políticos, advogados, sociólogos, líderes religiosos, artistas se reuniram em busca de um consenso que refletisse a pluralidade da sociedade brasileira. Após quase dois anos de discussões, em 5 de outubro de 1988 a nova Constituição foi promulgada. Marcada pela esperança de um futuro melhor e mais justo, foi chamada de “Constituição Cidadã”. Contudo, essa esperança não se concretizou de maneira uniforme. Em menos de três décadas, a Constituição Brasileira já recebeu mais de 100 emendas (para se ter uma ideia, a Constituição dos EUA, com 238 anos, tem apenas 27 emendas). Esses números revelam a instabilidade política que permeia o país e a dificuldade de se chegar a um consenso duradouro.
Como se não bastasse, temos muitos problemas com a interpretação da Constituição, outro campo fértil para divergências. Muitas decisões não só reinterpretam o texto constitucional como vão além, criando regras que o constituinte originário nunca escreveu. Em muitos casos, as interpretações contrariam até mesmo o que está explicitamente escrito. Essas decisões, muitas vezes pautadas por ideologias ou pressões políticas, acabam por criar um ambiente de insegurança jurídica, onde o cidadão se pergunta: "O que realmente é a lei? O que é legítimo?".
O resultado de toda essa dinâmica é que fica cada vez mais difícil afirmar com segurança o que é ou não constitucional. A instabilidade que isso provoca leva à desconfiança nas instituições. O cidadão comum enxerga em cada decisão mais a visão pessoal de quem a emite do que o resultado de uma posição institucional. Tantos anos depois, o sonho de uma sociedade mais justa e igualitária, escrito nas páginas da Constituição Cidadã de 1988, ainda está pendente de ser implementado, não apenas em discursos, mas na prática cotidiana.
SÉRGIO CLEMENTINO
Promotor de Justiça em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às terças-feiras