O sol por testemunha
Jogo difícil para ambos os times. Além da disputa, o calor sufocante. Porém, ninguém desiste da bola que rola enlouquecida para tentar fugir dos pés que a perseguem

Manhã invernal tórrida no noroeste paulista. Umidade do ar baixa. Quietinha em casa, acomodo-me no sofá, ligo a tevê para ver as “Brabas Corintianas” jogarem a final do Brasileiro Feminino: Corinthians versus Cruzeiro, de Minas Gerais. Jogo da volta. Quando lá fomos, empatamos. Qualquer uma das equipes poderia vencer e conquistar o título. Nós corintianos, querendo o sétimo.
Dez horas, com sol abrasador na capital paulista, as atletas dos dois times prontas para entrarem em campo. Aí fico me perguntando: tempo seco, sol escaldante, terão que jogar noventa minutos, correndo por cento e cinco metros na extensão do campo, sessenta e oito e pelas laterais, sem intervalo, a não ser por quinze minutos entre o primeiro e o segundo tempos? Acho uma crueldade, falta de sensibilidade, de empatia.
E não é só com elas, não. Acontece também com as categorias inferiores desse desporto. São os horários mais disparatados, sem que a Confederação Brasileira de Futebol ou a Federação Paulista se disponham a modificar situação tão crítica para quem entra em campo sob tão terríveis condições climáticas. Interessante constatarmos os privilégios usufruídos pelas equipes masculinas da considerada elite do futebol, no que concerne aos horários dos jogos: ou são realizados à noite ou ao final do dia. E a diferença salarial e das premiações? Lamentável discriminação. E o tratamento isonômico como fica? Só na legislação? É o bendito machismo que ainda pauta os dirigentes desse esporte.
Feitas tais observações, volto minha atenção ao gramado. Neo Química Arena, lotada, recorde de renda e de público. Ambas as torcidas presentes e o que chama minha a atenção é a harmonia que paira no estádio. Nada de brigas, atirar garrafas ou sei lá o que nos jogadores ou na arbitragem.
Jogo difícil para ambos os times. Além da disputa, o calor sufocante. Porém, ninguém desiste da bola que rola enlouquecida para tentar fugir dos pés que a perseguem.
Rostos suados e cansados deixam o gramado para um merecido descanso de quinze minutos.
Segundo tempo: no embate entre a esfera colorida e as chuteiras das meninas sobre o campo verde, finalmente o gol acontece. E é de quem? Thaís Ferreira, do meu time do coração, o Corinthians! Festa no estádio e em minha sala. Alegria corintiana. Entretanto, as mineiras não desistem e a luminescência, idem. Nossas adversárias, assim como nosso time, jogam muito bem. Bandeirinhas e juíza cansadas, atletas exaustas. O astro rei não perdoa: até a bola desfalecida desbotou sob o sol inclemente.
Doze horas, sol a pino, apito final. Das arquibancadas soa o grito de alegria dos torcedores. Somos HEPTACAMPEÃS! As Brabas não perdoam! A galera explode de contentamento saudando nossa equipe ganhadora de títulos, do Paulista, Brasileiro e Libertadores. Venceram a competição, a luz solar, mas ainda nos resta vencer o machismo.
Maloqueiras e maloqueiros felizes num domingo em que nossas mulheres fizeram a festa.
O sol por testemunha!
MERLI DINIZ
Professora, advogada, poeta e cronista. Vice coordenadora da Comissão de Direito e Literatura da 22ªSubseção da OAB Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às quintas-feiras