Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

70 ANOS SEM CARMEN

Recusava a nacionalidade portuguesa  e a pecha de latina ou sul-americana. Gostava de ser chamada de “brasileira”

por Toufic Anbar Neto
Publicado em 19/08/2025 às 19:47Atualizado em 20/08/2025 às 20:27
Toufic Anbar Neto (Toufic Anbar Neto)
Toufic Anbar Neto (Toufic Anbar Neto)
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Carmen Miranda nasceu em 1909, em Portugal. Sua mãe trouxe-a para o Brasil com menos de um ano de idade. Nunca retornou a Portugal. Começou a trabalhar com 14 anos. A carreira artística iniciou-se em 1926, como figurante de um filme. Tornou-se uma das primeiras mulheres a ter um contrato com uma rádio no Brasil. O primeiro sucesso veio em 1930, com a marchinha “Taí”. Ela estreou no cinema com musicais, onde divulgava principalmente o samba e o chorinho, junto com o inseparável Bando da Lua.

A partir de 1939, Carmen e o Bando da Lua foram para os Estados Unidos, se apresentar na Broadway. Sucesso imediato lá. Mas causou polêmica no Brasil. Suas vestes, com arranjos de frutas tropicais na cabeça e roupas estilizadas, expuseram ao mundo uma visão caricata e estereotipada dos brasileiros. Sofria forte preconceito da intelectualidade nativa. Nos Estados Unidos, a maior parte das críticas em rádios, jornais e revistas lhe foram favoráveis, tornando-a popular naquele país. Apresentou-se para o presidente Roosevelt.

Embora fizesse muito sucesso nos Estados Unidos, não ocorria o mesmo na América Latina. Faltava naturalidade e identificação com os valores latinos. Mesmo assim, chegou a faturar mais do que o cultuado filme “Cidadão Kane” (1941). Existia um grande paradoxo: a crítica não sabia se falava bem ou mal de Carmen. Mas os americanos eram simplesmente hipnotizados por ela. Seu auge foi em 1945. Filmes com várias indicações para o Oscar e grandes bilheterias. Era a mulher mais bem paga dos Estados Unidos. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, sua carreira entrou em declínio, com alguns lampejos de sucesso.

Desde cedo, Carmen fazia uso de estimulantes e calmantes. Após um casamento conturbado em 1947, fez uso constante de cigarros, bebidas e antidepressivo. É possível que tivesse algum problema cardíaco pouco esclarecido. O fato é que veio a falecer aos 46 anos, em agosto de 1955, de ataque cardíaco. Seu corpo foi transladado para o Brasil. Pelo seu velório, passou uma multidão de 60 mil pessoas. O trajeto da câmara dos vereadores ao cemitério contava com 500 mil pessoas.

Seu legado permanece vivo em vários segmentos culturais. Desde a influência até hoje nos figurinos de escolas de samba, Calçada da fama (1960), ícone cultural do movimento musical “Tropicália”, homenagens, selos postais, museus, livros, documentários, abertura de jogos olímpicos, etc. Foi a primeira artista brasileira a ter fama mundial, nas décadas de 1940 e 1950. Foi também a primeira a divulgar o samba internacionalmente. Curiosamente, recusava a nacionalidade portuguesa e a pecha de latina ou sul-americana. Gostava de ser chamada de “brasileira”. Já se passaram 70 anos e ela ainda se faz presente como uma das maiores artistas que o Brasil já teve.

TOUFIC ANBAR NETO

Médico-cirurgião, diretor da Faceres, escritor e membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura (Arlec). Escreve quinzenalmente neste espaço às quartas-feiras